domingo, 27 de novembro de 2011

Nota 3 (a enfermeira)

Depois de mais um café, atravesso o tapete da sala e abro a porta. O mundo sem fronteiras a minha frente. Fecho a porta rapidamente. Foco principal: carta. Objetivo de agora: instrumentos! Vou até a mesa ao centro da sala - dando ao rio e a velha carroça amarela no pátio- começar a escrever. Depois de tanto tempo, o que se ia dizer ganhou tanta força que pensar em citá-lo, ele já se foi, durando o tempo que dura o presente. A ações partem da coluna, tensão maior na nuca. o impulso vem dos dois pontos distantes e unidos como contrários: ou do total relaxamento até a tensão maior. Vice-versa. Mínimo movimento. Cada imperceptível movimento causado fogo com o oxigênio que entrava. No buraco! O ator é um buraco. Vazio. Sem órgãos. Assim cada respiração é uma linha a ser escrita, a cada tempo-presente-passado surgiam ações puras. E se repetia algumas ações? Ficaria o que não fosse supérfluo. Alto tenso. Co-vivência partilhada. Co-te-ato partilhada.
O músculo imaginação está rápido, compenetrado, fulgaz, atento, élan? 'o que seria?' Assim a carta ganha mais viva. Deixa de ser papel industrializado com tinta tóxica preta. Passava a ter uma outra cara, uma outra vida. Nesse espaço preto, escuro: com uma pequena luz me iluminando e a carta na mão. E mais nada. O peso seria o ator-objeto. Outro exemplo: quadro de Van Gogh! Outro: o grito no tom certo de Mozart, breve arroto em Lá!

Acabou. A recém estou no tapete da sala e a nova personagem já perdeu todo o passado.

domingo, 6 de novembro de 2011

Nota 2 (o menino)

Sobressalto. O impulso vem do meio do peito, com a força de um soco em direção ao teto. Ele estava deitado em sua cama quando o alarme tocou. O corpo reagiu de forma brusca. Ele não havia colocado os calçados e o relógio já ditava a primeira ordem. Sobressalto, mais uma vez. Ele olhava pela janela entre aberta do quarto e revia o céu. Revia aquela cor linda que o dizia: "Está na hora de acordar. Está na hora de voltar a reviver tudo, mais uma vez." Aquela cor indicava que não era mais noite, porém não era ainda dia. Sobressalto. Os olhos piscam rapidamente. Irritação nas órbitas oculares. Lembrança do último choro passa rapidamente em sua cabeça. Assim como a ideia vaga e infantil que ele tem de vida. Coça os olhos. Eles doem. Sobressalto, novamente. Peito dá solavanco no ar em direção ao teto. O alarme tocou pela segunda vez. O susto é sempre grande, por dois motivos: 1) o silêncio em seu quarto é infernal, e todo som é mais audível no silêncio; 2) o silêncio é reconfortante e tranquilizador, qualquer alternância repentina o causa irritação, ainda mais se o que causa a mudança repentina na altura de sons no ambiente for um alarme, a irritação e o susto é maior. Por tanto: sobressalto, numa repetição matutina. Sempre duas vezes. Ele estica seu braço esquerdo, pega o alarme , e com os olhos irritados por ter coçado desliga-o tendo certeza de que não irá tocar pela terceira vez essa manhã. Mais uma vez olha pela janela. Ainda tem algumas estrelas, poucas. Os pássaros começam a trabalhar lá fora. Nesse momento ele aperta os olhos. Franze um pouco os lábios. Contrai alguns músculos dos braços e das pernas. Abdômen. Solta toda a musculatura. Mais uma vez. Retira devagar o lençol branco-sujo de sua cama. Senta na beirada da cama. Olha seus pés. Mexi alguns dedos. Coloca as mãos nos joelhos. Respira profundamente. Mais uma vez. Coloca os chinelos e vai em direção ao banheiro.