terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Tempo-choro

É sempre patético. Todos nós somos patéticos. E assim se sucedeu. O tempo passou em ritmo de choro. Na mesa do café discutíamos. Discutíamos pois havia barulho na volta. Não nos escutávamos. Não nos escutamos nunca. Quando isso acontece a gente não está preparado. Levamos susto. Ali: sujeito branco de roupa suja limpa sapato de idoso-quase-morto. A velhice deveria ensinar alguma coisa para os outros. Não acontece nada. É uma imagem sempre patética. O sujeito branco deve estar falando sobre algum movimento perigoso que observou durante a madrugada. "Durmo em minha casa... não durmo na rua, senhor." Algo assim Nada por nada. Ter qualquer compromisso é estar adiantado do fim. Volto ao cento de atenção inicial. O tempo passa em ritmo de choro. Lá fora o céu é azul-tristeza. Ali: um cachorro rasgou um saco de lixo procurando comida. Que sujeira ele faz. Cada qual a sua maneira. O homem ao lado, de saco preto na cabeça, procura algo também no lixo. Ele descarta qualquer comida. Não procura por isso. Veja, ele achou um livro. Folheia. Joga fora de novo. Não há tanto espaço para ideias quando se mora na rua. Assim é se lhes parece. É sempre patético olhar. Me entristece. Volto a mesa. "Não aturo. Essa relação está me matando. Você... sabe quando você sai para a rua e se apaixona por alguém que simplesmente passa? Você sabe que aquela pessoa necessita abrir a boca pra merecer sentença de idiota ou de morte. Mas mesmo assim você à quer? Você entende? Sofrer é o que sinto falta." Ela diz como se fosse um poema-ritmo-inaugural. O tempo passou em ritmo de choro. My funny Valentine toca em algumas léguas da memória. Somos todos obras de arte. Ali: mulher de roupa suja-rasgada anda sem sucesso pela rua. Cambaleia. Sentou no degrau do prédio antigo restaurado pelo governo. Vejo apenas a luz do isqueiro agora. Somos todos obras de arte patéticas. Eu queria voltar ao círculo de atenção inicial, mas o tempo é choro. Transbordo tempo. A garçonete trouxe o café. Está começando a se tornar patético. É sempre patético. Ela percebe isso. Ela é choro também. Agora toca Billie Holiday. Tempo-choro.