a-
Rita estava em sua cozinha preparando o café para seu
marido. Assoviava feliz uma canção antiga, lembrava aquelas marchas de
carnaval. Época em que conheceu Armando. Eram felizes e ela se recordava ao
mesmo tempo que arrumava a mesa. Foi quando o café ficou pronto, assim escutou
o barulho da cafeteira, que se lembrou que havia acabado o açúcar. Saiu
apressada da cozinha, pegando apenas a sua bolsa que estava em cima do sofá.
Foi para rua em tal velocidade que nem se lembrou dos ovos na frigideira.
b-
Já eram mais ou menos meio dia, o que é cedo para mim
acordar, quando escutei um barulho forte em minha janela. Era época de vento
forte. Os pássaros não tinham força para voar na direção em que queriam. Como
minha janela ficava no quinto andar, diante de um grande descampado, era normal
pássaros de todos os tamanhos não conseguirem subir o suficiente para desviar
do paredão. Sentia-me cansado de ter que recolher todos aqueles pássaros pela
manhã. Só morava eu no prédio. Não pergunte porque. Não havia elevador por
sinal. Muito cansado.
c-
"Já disse que não te quero sem roupa na janela!"
Aquilo foi a gota d'água para Elisa. Se sentia enraivecida por demais,
estressada por demais, tudo por demais. Ora, que mal havia em andar nua por
toda a praia? Sim, a casa para Elisa naquele verão não passava de uma imensa
praia. Ela nunca tinha ido na praia, mas imaginava-se tomando banho naquela
grande piscina nua. Adorava ficar pelada. Como conhecia a praia se nunca foi
lá? Pelos filmes, pelos desenhos, pelo os seus amigos que falavam pra ela aonde
passavam as férias. "Sim, mamãe!" Respondeu de bate e pronto, foi ao
seu quarto, colocou todas as suas roupas de baixo dentro de sua mala. Colocou
uma saia, uma bota, pois imaginava que se usava bota na praia, e saiu. Foi
embora. Elisa tinha seis anos e muita razão.
d-
A notícia veio no final da tarde. Eles estão de tédio total.
Roberto e Malu, um olhando pro outro, com as costas na parede, olhando a parede
oposta meio pintada meio suja. Estavam de saco cheio. Roberto ligou a televisão,
Malu reclamou. A notícia veio dali. "Morre, aos 75 anos de idade, o
professor Júnior Ferreira Matoso, que
lecionava a mais de 40 anos a disciplina de Física..." Eles se olharam.
Olharam a televisão. Olharam para si de novo. Roberto e Malu pulavam de
alegria. Matoso foi o professor dos dois na universidade, a anos por sinal.
Eles o odiavam. "Era um grande semita!", "Machista roxo como uma
beterraba!", eles reclamavam. Pintaram a parede em dois minutos. Compraram
cervejas e velas. Depois de colocar um vinil de samba na velha vitrola da mãe
de Malu, arrumando tudo para a festa, comemoraram até não poder mais a parede
nova. Ah, até esqueceram do professor morto. Não gostavam dele mesmo.
e-
Raios. Chovia raios apenas. Do caminho de casa até o
aeroporto, apenas raios. Correntes elétricas destruíam árvores secas, pessoas
esquecidas, pedaços de metais enterrados. Na verdade ele não sabia o que
pensar. Só queria que aquilo tudo aquilo fosse diferente. "Podia está pelo
menos chovendo." Ela responderia que o tempo está estranho ou que poderia
estar um lindo dia de céu azul. Responderia qualquer coisa dessas se não
tivesse ficado em silêncio. Chorava. Ele tinha a péssima mania de falar coisas
tolas enquanto queria falar outras, pensou ele consigo. Será que ele não está
assim, sei lá, triste?, ela pensou. Em silêncio chegaram no aeroporto. Sem
nenhum ruído ele pegou as malas delas e ajudou a despachá-las. Ela foi embora
pelo portão dos voos internacionais. Ficariam dois meses sem se ver. Deram um
beijo longo e sorriram, entre lágrimas e sonhos. Não falaram nada. Acredito que
foi melhor assim.