sábado, 16 de janeiro de 2016

Exercício 1

a-
Rita estava em sua cozinha preparando o café para seu marido. Assoviava feliz uma canção antiga, lembrava aquelas marchas de carnaval. Época em que conheceu Armando. Eram felizes e ela se recordava ao mesmo tempo que arrumava a mesa. Foi quando o café ficou pronto, assim escutou o barulho da cafeteira, que se lembrou que havia acabado o açúcar. Saiu apressada da cozinha, pegando apenas a sua bolsa que estava em cima do sofá. Foi para rua em tal velocidade que nem se lembrou dos ovos na frigideira.

b-
Já eram mais ou menos meio dia, o que é cedo para mim acordar, quando escutei um barulho forte em minha janela. Era época de vento forte. Os pássaros não tinham força para voar na direção em que queriam. Como minha janela ficava no quinto andar, diante de um grande descampado, era normal pássaros de todos os tamanhos não conseguirem subir o suficiente para desviar do paredão. Sentia-me cansado de ter que recolher todos aqueles pássaros pela manhã. Só morava eu no prédio. Não pergunte porque. Não havia elevador por sinal. Muito cansado.

c-
"Já disse que não te quero sem roupa na janela!" Aquilo foi a gota d'água para Elisa. Se sentia enraivecida por demais, estressada por demais, tudo por demais. Ora, que mal havia em andar nua por toda a praia? Sim, a casa para Elisa naquele verão não passava de uma imensa praia. Ela nunca tinha ido na praia, mas imaginava-se tomando banho naquela grande piscina nua. Adorava ficar pelada. Como conhecia a praia se nunca foi lá? Pelos filmes, pelos desenhos, pelo os seus amigos que falavam pra ela aonde passavam as férias. "Sim, mamãe!" Respondeu de bate e pronto, foi ao seu quarto, colocou todas as suas roupas de baixo dentro de sua mala. Colocou uma saia, uma bota, pois imaginava que se usava bota na praia, e saiu. Foi embora. Elisa tinha seis anos e muita razão.

d-
A notícia veio no final da tarde. Eles estão de tédio total. Roberto e Malu, um olhando pro outro, com as costas na parede, olhando a parede oposta meio pintada meio suja. Estavam de saco cheio. Roberto ligou a televisão, Malu reclamou. A notícia veio dali. "Morre, aos 75 anos de idade, o professor  Júnior Ferreira Matoso, que lecionava a mais de 40 anos a disciplina de Física..." Eles se olharam. Olharam a televisão. Olharam para si de novo. Roberto e Malu pulavam de alegria. Matoso foi o professor dos dois na universidade, a anos por sinal. Eles o odiavam. "Era um grande semita!", "Machista roxo como uma beterraba!", eles reclamavam. Pintaram a parede em dois minutos. Compraram cervejas e velas. Depois de colocar um vinil de samba na velha vitrola da mãe de Malu, arrumando tudo para a festa, comemoraram até não poder mais a parede nova. Ah, até esqueceram do professor morto. Não gostavam dele mesmo.

e-

Raios. Chovia raios apenas. Do caminho de casa até o aeroporto, apenas raios. Correntes elétricas destruíam árvores secas, pessoas esquecidas, pedaços de metais enterrados. Na verdade ele não sabia o que pensar. Só queria que aquilo tudo aquilo fosse diferente. "Podia está pelo menos chovendo." Ela responderia que o tempo está estranho ou que poderia estar um lindo dia de céu azul. Responderia qualquer coisa dessas se não tivesse ficado em silêncio. Chorava. Ele tinha a péssima mania de falar coisas tolas enquanto queria falar outras, pensou ele consigo. Será que ele não está assim, sei lá, triste?, ela pensou. Em silêncio chegaram no aeroporto. Sem nenhum ruído ele pegou as malas delas e ajudou a despachá-las. Ela foi embora pelo portão dos voos internacionais. Ficariam dois meses sem se ver. Deram um beijo longo e sorriram, entre lágrimas e sonhos. Não falaram nada. Acredito que foi melhor assim.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2016

escrever

Segundo ao que constatei, nesta primeira semana de nova vida, era que seria necessário escrever. Sentar-se, deixar a janela aberta, olhar onde os gatos estão e, então, escrever. O que me chamou a atenção é a falta de opção. Me sinto totalmente determinado em ter que escrever. E repetirei quantas vezes for preciso esse verbo. Ao cabo que ninguém se importa e mesmo que o que irei relatar seja para o nada. É o que mereço sendo fruto de uma maldição. Sim, maldição. Muitos nem deve acreditar nisso, se não acreditam nem no futuro, quem diria de algo que o seguirá até o final da vida. Sou um leitor. Leio. A desgraça é essa. Seguir procurando em meio a milhares de páginas frases soltas que me apoiem. Por mais maluco que isso pareça e solitário, me exige uma eterna atenção diante cada sílaba que vai se formando diante de meus olhos. Posso sucumbir a qualquer momento. A narrativa que tenho dentro de minha cabeça e que me permite estar de pé perante aos outros, ela existe já faz muitos anos em mim, me inclina a futuros não tão promissores. Por isso a busca. Por isso a necessidade de escrever. Por isso tantos textos soltos e palavras aleatórias em dias que não causam nada em ninguém. Se eu errar um verbo, uma conjunção, qualquer preposição ou alinhamento de pensamento, não causará nada em ninguém. O mundo está ficando cada vez mais distante de si e ultimamente até de sua própria representação. Observo isso e tento permanecer. Ereto. Fazendo exercícios para o corpo não cair. Muitos os desprezam ou o superestimam. Ninguém está errado. Simplesmente não há mais o que se dizer ou o que se fazer. É a era das catástrofes, ou o planeta das catástrofes. Aceito ser realmente um sobrevivente. Tendo em minha cabeça a insígnia daquele que sabe que irá morrer entre tantos que ainda plantam ódio, rancor, raiva, desprezo, ciúme, vaidade! Entre tantas outras coisas, que você diz ser humana, de fazer parte do homem, e o que transforma num verme asqueroso a cada dia que passa. Fiquei aí mesmo. Eu ligarei para a polícia quando não houver movimentação em sua casa e o gramado na frente da sua casa incomodar a minha visão.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

quando o telefone tocar que seja engano, pois tenho verdades de mais para te dizer

se fosse planejar a minha vida morreria jogado em uma viela qualquer
minha atribuição na vida dos outros só serve para planos destes
não há possibilidade de qualquer outra resposta
assim que se referem a mim, sempre sem opção

e quanto isso os anos vão passando e eu vou ficar de lado
vivendo em dor e sem sequer alguém tentar me entender
mas sigo tentando ser forte e tentando manter uma calma quase budista
e o que recebo em troca quando falo o que quero?
flechas, tiros, babas de raiva, porque sou insensível
sou aquele que nunca coloca os outros
ou que não reconheço o papel de cada um em seu lugar

e nisso
sigo sem casa
sigo sem descansar
sigo ajudando os outros
sigo perdendo os cabelos
engolindo seco aquilo que é raiva automática e sem sentido do outro
que não consegue ver quem está a frente dele

mas é um dia diferente do outro
totalmente fora do cotidiano
que ninguém esperava
que ninguém poderia sonhar que este dia chegaria

eu vivo nos outros dias
nestes que ninguém dá bola
que não funciona nada
são nesses dias em que morrem alguém que você ama
são nesses dias que alguém que você deixou de lado sumiu
são nesses dias de repetição automática
que você não me vê
que não me escuta
são os dias que tento brilhar pra você
e você não se encontra
mas continuo ali
persistente
me desdobrando para não te machucar
para que se sintas confortável
para que a bosta toda que está a sua volta não se rompa e suje tudo

essa bosta preenche o vazio de meus ossos e espirra cada vez que eu pisco os olhos
toda essa lama que gritas para que alguém a junte e que destrói cidade atrás de cidade
eu a vejo nas suas gengivas
vejo embaixo das suas unhas de dedos frenéticos matando um atrás do outro
normalmente são crianças
pois assim você presta atenção
e normalmente tem menos de cinco anos
e capturada por uma câmera de um país longínquo
e todas essas coisas a mais

sei de tudo
é isso que sai do teu pau quando gozas vendo alguma pornografia barata no seu computador
ou que arrepias quando no escuro teu dedo desliza num visor qualquer
em vez de deslizar em você
pelo menos

e então o telefone toca
me chamam
me perguntam
darei aquela resposta
serei quase coerente
você aumentará o tom de voz
usarás outra resposta coerente
e eu ficarei mal
por causa sua
e você ficará mal por causa sua
não minha

nunca minha

eu fico sozinho e aprendo com isso

ainda estou aprendendo

e me preocupa a ordem das mortes

mas aí estou pensando de novo em você

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

a um animal qualquer ali no canto da sala

ele deve estar atrás da porta pronto para comer a minha mão
esta mão que escreve agora e coça as minhas costas
e entra dentro da minha boca e que é mordida por mim mesmo
e que pensa em matar alguém
em empurrar penhasco abaixo em quanto registra por algum meio
sua própria aparência
sua própria decadência
diante de outros

escuto latidos agora
deve ser ele
ou algum aspecto novo dele para poder rondar a minha cama
mijar na minha porta e esperar eu sair
quando eu for jogar o lixo para fora
é o que ele espera fazer

eu estou na sua mira
e devo estar na mira de tantos outros

sou um cadáver em potencial
prestes a fazer sexo com alguém que seja e procriar
um outro cadáver em potencial
tudo para enfiar mais gente nessa redoma de bosta

ele quase me pegou
mas desviei
fingi que ele estava aqui e que fui forte o bastante para desviar
mas é mentira
tudo é mentira
apenas quando o mais íntimo vier a tona
e eu morrer
sentirei aquela sensação de estar em casa

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

sobre abandonos

torci os dedos, cruzando-os em sinal de prostração
dediquei algum tempo depois em pensar o porque me coloco sempre nessa necessidade de um futuro
e normalmente isso se me faz querer algo que esteja relacionado ao tempo
a necessidade de minutos, horas, paz
um silêncio descomunal entre mim e o mundo
que haja chuva, música alta, ou ataque de caminhada no centro da cidade
mas ainda será silêncio
entre mim e o mundo

descompromissado

de qualquer efeito
penso na vida monástica
tirando a ideia de ficar longe de uma vida sexual ativa e de longas bebedeiras
o resto me agrada e muito
silêncio em primeiro lugar
a cada passo que dou para o ano que vêm para meu próximo aniversário para minha próxima apresentação acadêmica que ninguém irá ler e se interessar porque é um mar de publicações
mais me canso de conversa
que não são diálogos
e que são sim solilóquios
quem acha que isso é recurso de teatro antigo é porque não está com os ouvidos atentos e se mantém nessa mesma cadência de fala
para si sobre si querendo que o outro seja o si mesmo deste mesmo si
verborreia total
primeiro ponto então seria esse não falar
o não ser necessário me justificar aos outros
e nem mesmo ser precavido com qualquer palavra já que não falaria nada
ao contrário daqui, no mundo livre S/A, que sua opinião é exigida, mesmo para algo que você nunca ouviu falar
em segundo
não precisaria pagar ou comprar nada para manter qualquer aspecto visual
não digo status porque não me interessa há tempos
porém sei que alguns  momentos isso significa algo
isso corresponde um raciocínio que tenho quando percebo que minhas roupas possuem mais de quatro anos
e não correspondem com algumas necessidades minhas
como lavá-las e ter outras para usar
é questão de higiene
saí de um lugar frio para morar num lugar quente
algumas malhas me irritam
terceiro
cuidado de si conhecimento de si desprendimento de si
viver num sentido de outro alcance pessoal me chama muito atenção
a futilidade de necessidades aqui no mundo de babel me incomoda
causa asco
e principal justificativa para a bebida

agora cansei de escrever
cansei de ter que permanecer em necessidade como concluir um texto
e nunca podê-lo construir ao longo de dias meses
ou abandoná-lo




domingo, 15 de novembro de 2015

sobre detalhes importantes de hoje

como um objeto a ser usado em momentos avulsos
deixei de lado o que me constituía
aquilo que preenchia minha boca
que saltava meus olhos em prol de avançar
de abrir concretos deste  mundo hostil
e poder andar para onde eu quisesse 
(mesmo que seja com os pés sujos de lama
ou em cadáveres de todas as nacionalidades)

já era no final da tarde quando me sentei na sala
observei meus gatos parados e relaxados
sem qualquer sinal de preocupação pelo noticiário
e mesmo assim dividindo o mesmo mundo comigo
então voltei para mim ao lembrar de meu esquecimento
de como fui deixado de lado e de como sou esquecido
de como sou exigido e de como avançam sobre meus pés
pisando com a força de um patada de cavalo
em minha nuca para eu ter certeza de que isso acontece
(mesmo que eu esteja feliz em maior parte do tempo
ou que aceite com um sorriso amarelo no rosto
de que falta pouco para este mundo acabar)

tudo no abandono ao anoitecer perto da mesa
no silêncio da vizinhança ao longe algumas pessoas choram
em voltas de velas e flores fúnebres

desejei depois de muito tempo
morrer na porta de qualquer igreja
sem pronunciar uma palavra
sem ter qualquer nacionalidade
sem gerar motivo algum para uma guerra
sem proclamar salvação para qualquer um dos meus
sem se quer entrar em alguma estatística
sem nenhuma trilha sonora específica

apenas no silêncio
com esse olhar petrificado que me deparo
não só diante do mundo
mas do que acabei me tornando
ao ponto de me esquecer 

terça-feira, 10 de novembro de 2015

fiquei nu
com o deserto no meu bolso
e o relampejar quebrado no teto de minha sala

estou só
com dores no corpo
comendo farinha e assinando papéis para daqui dois anos

o ano já passou aqui
o próximo está engavetado
fedendo a mofo
percebo pelo sol que brota no canto de minha cama

não durmo por causa das dores dos outros
não me escuto por que os outros gritam mais alto
não como porque preciso alimentar esse absurdo de dentro deles
me regulo pela náusea
a mesma que cresce nas estrias das costas da lesma que invade meu quintal
dia sim e dia não

como vai
indo em direção a última rua do bairro
despencando sobre o acolchoado
com a sola dos pés em vermelhidão

quando a luz apaga
o sol não nasce e a água vaza

queria inventar palavras e fugir dessa minha prisão