quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Tempo-choro 2


Agora devo dormir.
Deve-se lembrar que é noite.
Um cachorro preto ronda minha cama-navio. Navegando por entre réplicas ouço um poeta falar:
- Cuidado Poetinha, é noite de temporal! Hoje não tem pesca. É noite.
Devo pensar em que? Em nada. Chamarei o vento de qualquer maneira. Assoviarei baixinho. Será uma bela despedida. As despedidas são sempre fortes e inesquecíveis. Meu sono é colorido. Trabalhoso.  Ainda não descansei. Espero morte de gozo eterno. Sairei pelo mar de réplicas, atravessarei solilóquios, sobre um mar imenso. Milhões de personas-afogadas. Algumas eu irei acordar.
- Têm gente, Poetinha, que sai e volta com as mãos vazias. Morre na beira da praia. Na areia branca, com o corpo cansado.
Mas eu morrerei no verde do mar. Nas ondas verdes do mar.
Sonho em ser um afogado. Tornarei-me Poeta deixando de ser.
- Eu ficarei aqui. O mar é bonito de se ver. Vou te ver lá.
Ficarás me olhando. Eu irei me afogar e você não conseguirá fazer nada. Ficarás parado.
Dirás baixinho, olhando para as ondas, para o bem longe, tentando me achar em tanto mar, dirás baixinho:
- Morreu. Morreu. 

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Quem é ela

Quem é ela
Devo imaginar como ela se apresentará nua
Cheia de uma ternura sem fim,
aquela pele que reuni todos os mistérios dos céus como é

Quem é ela
De que modo ela tentará ficar
ou que  planejará fugir de mim, logo após a morte da primeira luz
Será que ela trocará silêncios longos comigo, tão tristes como eu

Quem é ela
Será seu andar a primeira página desse novo romance
Quanto medo de amar ela contém
E se logo após o sim outra mulher aparecer

Quem é ela
Com qual sinceridade ela fala
Eu realmente a quero
Sou eu, ou é o perfume do amor

Quem é ela
Porque ela duvidou de meu coração amador
Porque ela passa  por aqui
e insiste em me fazer sonhar

Quem é ela
Será que eu não irei esquecer
Irei imaginar as nossas vidas juntas até quando

Quem é ela
que insiste em não me olhar

pela quarta vez seguida

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Professor Ricardo - Parte 05

  Minha irmã nunca foi objetiva o suficiente, nem fez menção de refletir sobre nada de sua vida. Isso é curioso. O envolvimento dela com essa mulher, Lúcia ou Isadora, é um ataque histérico de depressão. Sempre disse para ela não se dirigir as pessoas. É sempre complicado entrar em contato com esses infernos. A questão era: minha irmã nunca conseguiu se ressignificar. Os outros são um perigo em potencial quando nem a superfície de sua própria pele foi reconhecida. Ela tentou se matar porque é fraca. Está ainda pensando em qual é a sua essência! Ela me perguntou, na última e fatídica vez que nos vimos, qual era o sentido da vida. Ela ousou em me falar, num tom de desesperança, que não sabia quem era! Isso era como uma furadeira entrando nos meus ouvidos. Essa dor é estranha pois começa pela nuca e como um aro de ferro dentro da cabeça vai crescendo até a região ocular. Me sinto incomodado com uma mulher, ou seria adolescente, pensando dessa forma. Não há sentido algum, eu disse para ela naquela ocasião. E falei isso mais para agradar ela. Diria o que? Para pensar em Deus? Nunca fui de fazer piada com tragédia. Embora essa dicotomia me cause asco.
- Ela disse que viria hoje me visitar.
- Você foi internada agora pouco. Como ela sabe? Ela foi comunicada?
- Claro que sim! Dei o nome dela e o seu na portaria.
- Recepção.
- Como?
Como é patético. Insensato também. Talvez. Embora sempre achei fascinante o modo como as pessoas mentalmente desequilibradas enxergam o mundo. Não faz nem meio dia que ela tentou se matar. Um ato fracasso e depois outro por não conseguir executar o ato-fracasso. E não faz ideia de que está num hospital! Ela chamou a recepção de portaria! Mas isso é mentira, ela não seria capaz de falar isso. Estava representado novamente. As pessoas fazem isso a todo o momento. E ela nunca fala com estranhos, ainda mais pessoas que se vestem de branco.
- Você está hospitalizada.
- Porque?
Tédio.
- Passei no concurso e serei professor efetivo da Universidade.
- Que lindo! Parabéns! Me dê um abraço!
No que ela levantou os braços pude perceber como a dor se manifestou em seu corpo. Num milésimo de segundo observei o seu peito inflar e com isso lançar uma onda que andou durante todo o seu corpo. Os pés levantaram lentamente. Era uma fotografia linda. Gosto de paralisar o tempo as vezes. Os braços pararam a quarenta em cinco graus de seu corpo, ainda manchados de sangue. Estavam voltados a mim. O peito inchado em direção ao teto, totalmente inflado e tenso. Os dedos dos pés contorcidos. As pernas levemente erguidas. O rosto petrificado como que em uma eterna expressão de súplica. Me apaixonei pela minha irmã neste exato momento. Finalmente ela estava íntegra. Ela estava ali, naquele instante, sem representar coisa alguma. Sem seus pensamentos podres. Totalmente tensionada, mas leve. Isso durou um segundo. Se desfez num gozo de dor. Seu grito deve ter sido escutado em todo o hospital. Finalmente ela teve um gostinho da morte. E eu presenciei. Me apaixonei pela sua postura, pelo seu estado. Ela deixou de ser qualquer coisa para estar ali. Nossa! Como eu gostaria de ter tirado uma foto. Lembrarei disso sempre que eu quiser. Poderei ficar preso. Poderei me perder no deserto. Qualquer possibilidade remota de exílio total de minha pessoa, sempre retornarei a esse momento. Me esqueci pela primeira vez no dia de minha torta na mesa da cafeteria, ou doceria? Me esqueci de meu concurso. Do ventilador que não concertei. De mamãe. Minha irmã saiu de sua estupidez trágica para estar presente. Logo após ela começou a chorar. Não parava. Era a dor. Era a consciência de seu ato anterior que aparecia. O que veria agora? Ressentimento?
A janela estava aberta neste momento. Uma faixo de luz cortava o ar em direção a uma flor que havia na cabeceira dela. Não havia notado aquela flor até este momento. Então alguma coisa cruzou meus pensamentos. Saí da sala em busca de uma enfermeira, porém era um momento propício para o primeiro cigarro do dia. Me lembrei imediatamente do homem que foi preso por não chorar a morte da mãe. Entrei no quarto como irmão e sai como condenado.

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Ensaio para um Fiasco - 03

O tempo nunca volta. E isso resume grande parte da vida. Um barco navegava pelo mar. O mar o velejava. O vento o velejava. Eu buscava alguém para velejar. Mas o tempo nunca volta. A violência de uma decisão é assustadora. No mais simples dos casos, temos duas opções. Às vezes, para não dizer sempre, tomamos a decisão errada. O pior é que a decisão não tomada nos persegue. Ela continua como uma sombra, que nos vigia pronta para dizer: "Olhe aqui o que você perdeu!" Mas é discurso furado. Nenhuma das opções seria a melhor. Nenhuma mesma. As duas causam inúmeras ações, efeito dominó. E o pior é que levamos todas elas juntos. O tempo nunca volta. O senhor está sentado na praça. Ele olha para a sua netinha que brinca com as pombas. Num assobio do vento ele faz retornar todas as esquinas que ele dobrou. Os momentos onde o vento e o mar o velejavam. Suas mãos tremem. O coração fraco ainda mantém o ritmo da vida. Ele queria voltar a uma certa manhã em um certo dia da semana numa época longínqua. Retornar a uma velha cidade, pequena e nunca lembrada. Mas ele lembra: "Eu quero brincar com você." Era isso que ele queria dizer. Ele com o rosto virado para árvore. Vê sua amiguinha brilhando como um Sol, correndo em torno da casa para se esconder. Este jogo é eterno, todos sabem. Para ele, olhar a sua netinha é como olhar a Lua, é formular perguntas, é reformular a vida. Sua amiga, Ela, se esconde. E tem um certo momento em que ele não a acha. Ele revira o quintal, as árvores, a pequena cidade, cada canto de sua memória. Nada. Ele sente falta. Ele queria ver ela brincando com ele, d'ele, durante muito mais tempo. Mas há um vácuo estranho. O tempo nunca volta. Uma mania estranha essa do tempo. E Ele não tomou decisão alguma. Agora está velho demais. Leva a maior parte do tempo pensando nela caída no chão como criança, como Sol e  Lua. As grandes nostalgias. O delírio do amor e pensando que ela ainda irá surgir. Por mais que tudo se desvie, que nada se encontre, indo contra o ritmo da vida, Ele sabe que justamente naquela época nasceu uma pequena flor em seu peito-jardim. Naquela época seu peito-jardim era enorme. Hoje... Bom, restou os perfumes. Restou as imagens, não só desta flor, mas de tantas outras que vieram depois. O tempo nunca volta. Mas a lembrança sim. E hoje foi o dia desta primeira flor. A única sem nome. Naquele tempo não se dava nome a nada. Mesmo não tendo nome, Ele sonha com seus cabelos negros e, andando nas ruas, Ele relembra do perfume, pra que em meio de tantas escolhas não feitas, de tantas vidas não vividas, Ele possa reencontrar um dia Ela.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Professor Ricardo - Parte 04

- Ela está bem.
Foi o que respondi para minha irmã. No tom mais automático com o intuito de desviar o assunto. Ela prosseguiu para o meu azar.
- Senti sua falta, mano. Pensei muito naquele nosso tempo lá na... Como era o nome mesmo? Aonde fazíamos a trilha perto do lago em Mato Grosso. Sempre sinto falta daqueles tempos. Sinto falta de andar na rua procurando algum bar para comer e beber alguma coisa. Brincar cerveja em vez de champagne! Adorava quando a gente brindava as coisas mais bizarras possíveis. Sempre alguma fala importante. Você lembra daquela que diz: "Um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar!" Como ríamos. Lembra?
Claro que não lembrava. Eu era um estudante de história do Brasil enlouquecido. Decorava falas para tirar sarro de toda essa nata suja brasileira e mundial. Eu era simplório e patético. Continuo, mas agora era professor efetivo de uma universidade. Ganharia dinheiro para poder patético. Gozaria de todo o poder que sou detento. Poderia agora ter problemas, poderia passar por crises. Me perguntar o porque da vida sem ter que me subordinar a tanta humilhação omo terciário. E mais, poderei analisar as pessoas. Isso é o mais fantástico. Pensando nisso, olho para minha irmã. Nosso pai nunca foi presente. Por causa disso, acredito que minha irmã gostaria de transar com ele. Mas como ele não está mais aqui, ela quer transar comigo. O seu ato de suicídio é um convite de sexo animal. Ela no fundo gostaria de arrancar o meu pênis e me currar com ele. E como ela não compreendi isso, agora eu sou superior a ela. Então me torno um psicólogo perfeito. Como me divirto com essas analogias baratas que não me levam a nada e me fazem brincar com a moral estabelecida.
- Ricardo! Você está me escutando?
- Não. Desculpa.
- Eu estava falando que acho que vou me casar.
- Com quem?
- A Lúcia.
Ela iria abrir seu coração para mim agora. Brigaríamos talvez. Agora começa a chover, para mudar um pouco o cenário. Mesmo se ela estivesse me convidando para transar, o que eu mais gostaria agora era comer aquela torta que não terminei. Saborear o meu ingresso como professor efetivo na universidade. No máximo me masturbar sozinho no meu quarto imaginando alguma fantasia sendo executava. Mas não. Eu com pensamentos presos. Apenas isso. Gostaria de comer alguma coisa.