Minha irmã nunca foi objetiva o suficiente, nem fez menção de refletir sobre nada de sua vida. Isso é curioso. O envolvimento dela com essa mulher, Lúcia ou Isadora, é um ataque histérico de depressão. Sempre disse para ela não se dirigir as pessoas. É sempre complicado entrar em contato com esses infernos. A questão era: minha irmã nunca conseguiu se ressignificar. Os outros são um perigo em potencial quando nem a superfície de sua própria pele foi reconhecida. Ela tentou se matar porque é fraca. Está ainda pensando em qual é a sua essência! Ela me perguntou, na última e fatídica vez que nos vimos, qual era o sentido da vida. Ela ousou em me falar, num tom de desesperança, que não sabia quem era! Isso era como uma furadeira entrando nos meus ouvidos. Essa dor é estranha pois começa pela nuca e como um aro de ferro dentro da cabeça vai crescendo até a região ocular. Me sinto incomodado com uma mulher, ou seria adolescente, pensando dessa forma.
Não há sentido algum, eu disse para ela naquela ocasião. E falei isso mais para agradar ela. Diria o que? Para pensar em Deus? Nunca fui de fazer piada com tragédia. Embora essa dicotomia me cause asco.
- Ela disse que viria hoje me visitar.
- Você foi internada agora pouco. Como ela sabe? Ela foi comunicada?
- Claro que sim! Dei o nome dela e o seu na portaria.
- Recepção.
- Como?
Como é patético. Insensato também. Talvez. Embora sempre achei fascinante o modo como as pessoas mentalmente desequilibradas enxergam o mundo. Não faz nem meio dia que ela tentou se matar. Um ato fracasso e depois outro por não conseguir executar o ato-fracasso. E não faz ideia de que está num hospital! Ela chamou a recepção de portaria! Mas isso é mentira, ela não seria capaz de falar isso. Estava representado novamente. As pessoas fazem isso a todo o momento. E ela nunca fala com estranhos, ainda mais pessoas que se vestem de branco.
- Você está hospitalizada.
- Porque?
Tédio.
- Passei no concurso e serei professor efetivo da Universidade.
- Que lindo! Parabéns! Me dê um abraço!
No que ela levantou os braços pude perceber como a dor se manifestou em seu corpo. Num milésimo de segundo observei o seu peito inflar e com isso lançar uma onda que andou durante todo o seu corpo. Os pés levantaram lentamente. Era uma fotografia linda. Gosto de paralisar o tempo as vezes. Os braços pararam a quarenta em cinco graus de seu corpo, ainda manchados de sangue. Estavam voltados a mim. O peito inchado em direção ao teto, totalmente inflado e tenso. Os dedos dos pés contorcidos. As pernas levemente erguidas. O rosto petrificado como que em uma eterna expressão de súplica. Me apaixonei pela minha irmã neste exato momento. Finalmente ela estava íntegra. Ela estava ali, naquele instante, sem representar coisa alguma. Sem seus pensamentos podres. Totalmente tensionada, mas leve. Isso durou um segundo. Se desfez num gozo de dor. Seu grito deve ter sido escutado em todo o hospital. Finalmente ela teve um gostinho da morte. E eu presenciei. Me apaixonei pela sua postura, pelo seu estado. Ela deixou de ser qualquer coisa para estar ali. Nossa! Como eu gostaria de ter tirado uma foto. Lembrarei disso sempre que eu quiser. Poderei ficar preso. Poderei me perder no deserto. Qualquer possibilidade remota de exílio total de minha pessoa, sempre retornarei a esse momento. Me esqueci pela primeira vez no dia de minha torta na mesa da cafeteria, ou doceria? Me esqueci de meu concurso. Do ventilador que não concertei. De mamãe. Minha irmã saiu de sua estupidez trágica para estar presente. Logo após ela começou a chorar. Não parava. Era a dor. Era a consciência de seu ato anterior que aparecia. O que veria agora? Ressentimento?
A janela estava aberta neste momento. Uma faixo de luz cortava o ar em direção a uma flor que havia na cabeceira dela. Não havia notado aquela flor até este momento. Então alguma coisa cruzou meus pensamentos. Saí da sala em busca de uma enfermeira, porém era um momento propício para o primeiro cigarro do dia. Me lembrei imediatamente do homem que foi preso por não chorar a morte da mãe. Entrei no quarto como irmão e sai como condenado.