segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Memória dos filhos da terra

memória traiçoeira feita de abismos
me causando dor de cabeça 
tinindo lá no fundo
acima desta auréola de fracassos

os homens trocam os dias
repetem as manhãs
assassinam demasiado noite
qualquer amanhecer que nasce com o pé na cova

disso eles não lembram!

não há como! eles me dizem
amnésia coletiva antes que eu esqueça
que alguma morte irá chegar
algum familiar próximo não se moverá
eu o remexerei e falarei nomes
a memória sentimental aparecerá
os tais dos tal presentes perdidos

e não serei o primeiro
será apenas o meu número chamado
cotações em alta no desespero

e quando menos chegar
e chega a qualquer idiota possível
a memória de corpo

pais filhos terra de cadáveres
com mãos mirando o céu

vocês insistem com este amanhã
não entendo a diferença temporal

por mais que me esforce
não consigo lembrar de poucos

e mesmo não tendo esta memória
que me atingiria com o grau de humanidade
tão caro a nossa espécie de hoje

meus olhos criam bolsões em meu rosto
aftas abrem distrito em minha boca
minhas vértebras doem antes mesmo de começarem a doer

te digo amigo-surdo
eu deveria envelhecer esta noite
mas esta se esqueceu também

apenas o velho cansaço
o antigo tédio do nada o que fazer
diante deste nada a prescrever!

terça-feira, 1 de outubro de 2013

Tempo-choro 8

1
Deveríamos de início escolher o local para  ser enterrado. Nada de clichê neste momento. Ousadia! Sepultamentos em grupos, duplas, trios, deitados, em pé, dobrado, sim! A posição do corpo seria importante. Fotos de poses de yoga podem ajudar os preguiçosos. Eu escolheria ser enterrado em algum lugar bem longe de qualquer centro urbano. No meio do mato não. Mas embaixo de uma pedra sim. Uma pedra grande e quadrada numa beira de estrada. Algum andarilho se sentaria nela, logo em mim, para descansar. Não haveria nenhum sinal de que eu estaria ali. Porque haveria? Outra alternativa seria ser balsamado e guardado na entrada de minha casa. Dessa forma poderia proteger o lar de minha família e de meus entes queridos, mesmo depois de morto. Deveria estar nu. Esta para mim seria a melhor opção, pois além de gerar segurança para a casa, seria pedagógico a qualquer estranho e as crianças: aproximando a relação delas com a morte.

2
Então você se sente totalmente inchado, ocupando mais espaço que o seu corpo suporta.
Então você tem vontade dormir, estás cansado demais, envelhecendo demais, escutando as mesmas coisas de sempre, mas não consegues dormir.
Então a única nostalgia que tens é dos momentos em que estavas sozinho.
Nesse momento vês que nem silêncio se faz.
Nem agora.

Então imaginas quando ficarás velho.
Caquético. Tremendo num ritmo estruturado pela doença fatal. Esquecendo o próprio nome e sendo definido pela demência senil. Enrugado e insatisfeito.
Esperando pela indesejada. Sozinho. Não tendo aceitado a vida até agora.
Numa vida de tantas falhas, de tantos fracassos, você só pensa que até sua própria morte irá falhar.
Como agora.

3
Um dia falarei tantas coisas travadas e presas, que minha voz não será só minha, será de todos os outros.
Principalmente aqueles que bebem perto da porta para que quando caírem seu corpo seja notado.
Falarei para aqueles que criam contos e poemas em suas cabeças o dia inteiro por não estarem fazendo aquilo que gostariam.
Para grande parte da população que enlouquece com inúmeros cavalos sendo espancados todos os dias.
Sobre essa nação de homens, mulheres, crianças e idosos de rua que tanto cresce entre nós.
E quando eu falar aquilo que eu quero, me repartirei em inúmeros pedaços.
Deixarei a atmosfera em linhas azuis acompanhado pelo sorriso do Sol.
Meu corpo será julgado e serei enforcado.
Mesmo neste momento, meu corpo saberá quem eu amei.