segunda-feira, 15 de julho de 2013

Tempo-choro 7

1
Cansado, como se tivesse ajudado Sísifo, me encontro na hora mais morta do dia. Outra vez a cabeça lateja, princípio de terremoto no território da relação social. Vou me preparando novamente para a mesma guerra. E ainda falam de tempos de paz. Vamos embora?

2
É impossível abster-se dessa tentação de não existir mais. Ver aquilo-tudo-que-não-tem-nome virar uma névoa fria, transformando qualquer aventura num erro infantil. Isso não é minha culpa. Aprendi a neutralizar o mundo. Somente eu mesmo posso criar expectativas a mim. Sou eu que me decepciono. E meus amigos? Eles fazem parte de mim e eu levo seus nomes a qualquer parte de minha ação-pensamento. O resto é resto. E meu inferno agora sou eu.  

3
Um dia me abandonarão. Não sentirão vergonha. Dividirão insultos. Não me ligarão. O pior de tudo é que será pela madrugada, perto das seis da manhã. Numa rodoviária. Ao som de sirenes, de lixos midiáticos, ao andar de decrépitos e seus familiares tristes, de pedidos de esmola e de cigarro. Haverá uma última ligação. Atenderei. Do outro lado, e esse lado é sempre o mais difícil de se lidar, com aquela voz de sempre, voz que me lembrará o sorriso dela, da pessoa em questão. Me lembrará de peripécias de meio de noite. De porres. De todas aquelas histórias que idiotas contam e que se orgulham tanto. Sim, me tornarei idiota ao escutar aquela voz doce. Entenderei o amargo da vida. Ficarei mais longe dos sonhos. Me abandonará antes mesmo de pronunciar a frase por completo: "Você me acordou ontem a noite. Estava com insônia. Demorei para voltar a dormir." Responderei alguma coisa querendo dizer outra. Fazer outra. "É tudo depressa demais." Serei mais do que estúpido. Serei verdadeiro. O mais brega possível. Daquela velha resposta romântica, pré-fabricada, moldada com os melhores dos chavões, mas direi: "Me perdoa!" Sem interrogação alguma.

4
Vi um pássaro morto na calçada. Morreu de velhice. Banhando em tristeza num dia frio. O cachorro-vizinho afirmou que nos últimos dias eles se mostrava mais feliz do que nunca. Foi bonita a reportagem com o cachorro-vizinho. Ele disse que o pássaro afirmava que iria morrer logo, mas que não acreditava no amigo, já que era conhecido como o mais fanfarrão da quadra. Mas ele morreu. Não houve velório. Os animais não enterram assim seus amigos. Parece que há um pacto em deixar os mortos por aí. Jogados mesmos. Jogados não, caídos, falecidos, fenecidos, mortos. Cachorro-vizinho disse que poucos se aproximam do amigo-pássaro-morto. Ele alegou que para eles isso não é estranho. Afinal, como ele disse: "A morte está por aí mesmo." 


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