terça-feira, 20 de agosto de 2013

Uma história próxima de um assassinato

Dorme menina, aproveita que tudo se desfez em cinza. É tudo frio. Não há mais nada, nada falta, ele disse. Então aproveita, menina, retire as coisas de seus lugares. Observe o espaço e lance um perfume cheiroso em cada cama. Tire qualquer móvel que serve para sentar, para encostar, para esfregar e qualquer outro que não mude de cor. Axé, menina! São novos tempos, mais cinza, é claro... e escuro.

Dorme menina, para depois acordar. Acordarás em pleno voo, descendo dos céus com um enorme para-quedas. Descerás no meio de um grande carnaval. Entre surdos e ouvintes. Entre retalhos de cetim e versos não memorizados, cantarás sem saber qual canção. Serás feliz e não pensarás sobre isso na hora. Quando estiveres cansada? Dormirás novamente.

Dorme menina, que dançarás num banho de mangueira. Não agora, quando acordares e ver que é verão. Que está calor, que terás uma vontade imensa de tomar banho de água bem fria. Vais querer molhar a espinha com a água gelada. Darás suspiros de frio e de choque térmico. Vou te chamar de Estela.

Dorme. Mandarei todos fazerem silêncio, pois és o meu amor e quero que sonhe com meu nome. Te observo, mas sei que irás acordar a qualquer momento. Verás os lençóis desarrumados. Notará que está anoitecendo. Que estás suada, que faz muito frio. Notarás uma dor nas costas e nas pernas. Tentará dizer algo e não conseguirá. Dorme, menina. Aproveita o sono.

Quando acordares me verá. Vais estranhar o meu rosto pálido, este peso na testa, esse olhar que não dorme. Um olhar que observa com apreensão. Que espera com esperança de que a qualquer momento toque a última música. Que faça um silêncio mortal. Que eu chore e perceba que minha vida está com você. Que ao te ver eu não me entenda. Que eu veja o nada. Me levantarei e olharei para o céu. Registrarei a imagem do céu.

Dorme menina, dorme.

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