terça-feira, 24 de junho de 2014

Má-fé

substâncias tóxicas preenchem minha solidão
meu corpo realmente vira uma máquina
que funciona sozinha

com apenas uma mão
velhos tapetes se gratinam
e no passar de um mosquito
viro gladiador moderno
astuto
com a lança ainda erguida
mirando a cruz de Caravacca

o presente fica roxo
e abro a janela

pequenos meninos viram soldados de pernas daltônicas
carros são acessos para São João
nenhuma mensagem
coco de cachorro no varal de roupa suja
Lua com cólica

o céu roxo
e fecho o passado

na cabeça passa mundos:
estou pronto para dormir
deixei a semana passada para o mês seguinte
alguém se matou agora
uma mulher acaba de casar de cócoras
uma menina se roça
uma égua copula

matei outro mosquito

noticiário:
gladiador mata mosquito
com uma lança na mão

tempo demodernos

sexta-feira, 20 de junho de 2014

Em busca de um ser fleumático - primeiro estudo

"Vende-se Panácea" era o que estava escrito em giz no quadro negro na frente daquela antiga casa. Foi esta imagem que eu vi quando acordei. Antes mesmo de usar o banheiro a primeira vez no dia já sabia o que iria fazer a tarde. Depois de descansar após o almoço eu iria. O que não aconteceu. Me deu uma fraqueza e acabei acordando apenas as cinco da tarde. Chovia. Não lembro se chovia antes. Voltei a dormir. No segundo dia acordei mais cedo. Relampejo corporal que me acordou: estava grudento na região solar. Fui obrigado a tomar banho e trocar de roupa. Fazia frio, o que tornou a atividade de difícil enredo. Enquanto notei a dor que tinha em meu peito, que se localizava a dois dedos de meu terceiro mamilo, pensamento-frouxo diz para mim que havia Panácea à venda naquela tal loja. Esquisito. Eu não sabia o que aquilo significava. Porém, jeito-curioso de minha performance diária me cutucava para ver o que aquilo era. Isso me fez construir a primeira pergunta do dia: "vou ter que sair neste frio." Não era bem uma pergunta, mas gerava comos-de-afazeres tal tarefa. Vai saber?
Coloquei a roupa mais quente que tinha. Eu me tornei uma pantufa humana. Me tornei um imenso farol andando na rua para qualquer olhar. Era como se me invadissem, criticavam telepaticamente minha ignorância em termos de combinações entre cores, texturas, sobreposições e outras maneirismos técnicos que não decifrei. Sorte minha que logo chegando a segunda quadra de minha viagem uma longa chuva cobriu tudo. Homens e mulheres se refugiavam como se tivesse um bombardeio. Triste país-meu; nunca guerra teve. Não sei o que é. Mas igualizo significado de guerra a chuva-trompeta. Assim era a chuva que caía: chuva-trompeta. Como uma boa pantufa que eu estava, nada de água tocou minha pele. Segui viagem. Atrás da tal Panácea. Lembrei de relampeio que estava perto da casa de meu amigo. Pessoa séria. Postura-modular; de modelo mesmo. Sempre fez exercício desde de pequeno. Minhas orelhas, que são favas de Jataí, nunca escutaram reclamação de tal boca dele referente a problemas nas costas. Abismal. Simplesmente, abismal. Bati na porta da casa dele e fui entrando. Sua vida se resume a ficar sentado numa cadeira de rodas. Nunca me falou o que aconteceu a ele. Não perguntei também. Não sou indigesto. Fiquei com calor ao entrar na casa dele e tirei alguns pares de roupa. Ele estava parado olhando uma samambaia quando o vi.
- Qualquer coisa de absurdo há nesse animal. Ele parece de borracha.
Compreendi de imediato que ele não olhava a planta. Raciocínio meu andava a toda naquele dia. O que me deixou cansado e com vontade de dormir. Eu vestia camiseta vermelho-caqui.
- Ela estava na porta ontem de noite. Correu da chuva e agora está ali. Tenho fraco com esses animais. Soube que as aranhas é o sua comida preferida para comer. Ele parece uma borracha que gruda.
Olhei para a parede. Não achei nada. Sempre que olho paredes verdes, como aquela de meu amigo, lembro de tartarugas. O casco da tartaruga é uma parede de tão resistente. Qual seria o gosto de uma tartaruga? Pensamento-fluxo meu parou no seguinte-segundo; gargalhada afônica de meu amigo me despertou num susto.
- Ele fez xixi.
Isso sempre me dá vontade de rir. Quando vou fazer xixi sempre rio. Mas não era pra isso que eu tinha ido até lá. Eu então abri a boca e depois de uns trinta segundos falei:
- Grande parsa! Vim aqui dizer que o estimo ainda mais depois de nossa última sessão de descarrego verbal. Agradeço a sua afasia total em nosso encontro de sábado.
- Que bebedeira! Mas que vens fazer aqui?
- Estou com uma imagem em minha cabeça...
- Você tomando banho com a sua mãe?
- Não.
- Estava brincando.  
- O letreiro de uma loja que vende Panácea. Você sabe me dizer o que é isso?
- Acredito que isso não lhe servirá para muito.
- Você desconhece, né?
- É uma palavra usada apenas por pessoas que estudam palavras antigas ou que conhecem algo de medicina medieval. O que não posso dizer que é um fato consumado. Olhe lá! Ele vai se mexer de novo.
Deixei meu amigo sério ali. Sai pela porta, devo ter falado alguma coisa após outra gargalhada afásica sempre confundida com um grunhido. Má-educação de ouvintes ignorantes. Diabos. Eu de pantufa estava na rua. Chuva-trompeta agora estava em ritmo de Rai argelino. Me exibia com passos de dança. A água estava na minhas canelas. Mas pouco importava. Até me deu um ponto branco de tristeza no coração. Lembrei que sempre usei inseticida em vez de amor. Metamorfósico, talvez. Procurava a tal loja. Mas me divertia pisando forte na calçada que eu não via. A água pulava pra cima me molhando. Me divertia ainda mais. A água subiu rapidamente até minha coxa. Naquele momento percebi que estava com frio. A água estava com cor de besouro. Sacos plásticos nadavam como piabas. O que era estranho, pois não havia piabas naquela região. Eu seguia vivente naquela água inteira. Quando fiquei cansado; subi numa árvore. Ela se chamava Diara. Ela me contou que eu não devia andar por ali. Que o tempo não era propício. Que lugar bom para andar naquela época era Fukushima, mas que mesmo essa já não estava em seus bons velhos tempos. Contou piadaS de Pica-Pau misturando seus nomes com o do Quero-Quero. Fiz xixi de tanto ri e ri mais ainda quando fiz xixi. Olhando a água vi uma placa boiando: "Ven...-se...anác..a...." Não entendi. Diara me abraçou e no meio do seu tronco dormi. Estava sequinho demais, quentinho demais, que tirei a pantufa toda. Deu preguiça e eu dormi. No meio do sonho me falei: "Outro dia eu vou atrás da tal coisa que esqueci."

domingo, 15 de junho de 2014

As coisas

Sempre sonho aventuras que me surpreendem
Aprendo muito nessas viagens
Sempre dormindo

Ontem tive um sonho
Vi um rosto que mudava constantemente
Inúmeras pessoas ali se manifestaram
Não conhecia ninguém e eles se multiplicavam sem parar
Todos os olhos, cabelos, rugas
Tudo se fundia

Era impossível saber
Mas acordei sem reconhecer meu rosto
Me vendo apenas em outro

E todas as coisas ficaram afastadas
As árvores
A calma
A música
Ela e ele

E eu com medo
Querendo apenas voltar a dormir
Deixar meus olhos aos cuidados de outro
Voltar ao silêncio, rei da vida

No meio daqueles rostos incompletos e confusos
Eu perguntava:
"As coisas se acalmam em algum momento?"
E tudo se dissipou

Acordei

Sozinho

quarta-feira, 4 de junho de 2014

3

Rompantes de trovões no céu se confundiam
Com balas do tamanho de cabeças de bebês
Perfurando qualquer zé ninguém de qualquer canto nenhum

Meu país de origem em cima de uma mesa quebrada
Era servido como um tomate verde frito com fígado cru

Um príncipe dinamarquês morde o lábio que não fala mais nada
Entre jontex, sempre-livre, latas vermelhas, a um deslize da próxima página
O rei nu virou um grito de gol

Estamos nos tornando uma imensa periferia

Tirando o resto
Eu me encontro diante deste teto de estrelas imaginárias
Vazio e farto
Entre gente chata, oca e
Triste e faminto
Com água até o tornozelo e sedado 

Tenho que sair daqui
Tenho que matar pessoas
Não tenho que fazer nada
Não tenho 

Não gosto de minha tristeza
E isso não significada nada

Porém...

Naqueles mesmos lugares
De esquinas e canções
Desviava de conhecidos para sorrir a ela
Ali: Princesa da Noite
Destruindo todas a vontades e desejos em mim
Fazendo deixar apenas uma

Ela entoava uma canção
Cercada de muitos
Aos seus pés
 Olhos atentos para qualquer gesto
A guardavam para o presente
Tornando-a temível, é claro
Chuva caia em tom-primavera

Eu, ser moribundo, imbecil total
Que nunca almejou algo a mais do que ser atropelado e acabar com vida-quase-rastejante
 Revoltado infantil
Me fascinava com ela
Dobrava minha cabeça, alguns graus e observava atraído

Retraído em meu mundo, como recusa do tal mundo real, andava a esmo e num silêncio. Conhaque. Muito conhaque. Havia aquele círculo enorme em volta dela, a pequena lua terrestre. Orgulhosa, mas carente de mimo. Sempre tive quedas por mimar a lua. Ali estava. Peito meu balançou. Minhas antigas asas, enferrujadas, se mexeram. Houve música e árvores. Sempre mudei minha paisagem. E com ela ali, o que eu queria enfim apareceu. Desenhei todo o mundo. Mudo paisagens. Cidade cinza é copo vazio. Conhaque demais. Ela ali dançava. Não como outras. Seu próprio ritmo. Ela mostrava que vinha de outro lugar. Do lado de lá. Daqueles lugares em que buscamos em pensamentos. Os desejos voavam. Num rompente atômico, criou-se conexões. Acima fomos. Música e árvores. Sem pensar, como sempre é, estávamos no mar. Tínhamos certeza de morrer ali no infinito terrestre. Deus aguado. Na água é que ela gosta de estar. E fundo fomos... Quando em estralo de tempo me acordou. Deprimido. Acordei em quarto vazio bem longe. Pensei que outra vez havia sonhado o mesmo. Mas ali estavas. Olhando em meus olhos. A distâncias de dizer qualquer fonema. Qualquer ruído. Ainda confundo o real. É pura invenção. Carnal. Selamos beijo de boa vida; eu sei. A transformei numa pequena flor. Plantei aqui dentro. Somos hoje jardim.

Eu sei.