"Vende-se Panácea" era o
que estava escrito em giz no quadro negro na frente daquela antiga casa. Foi
esta imagem que eu vi quando acordei. Antes mesmo de usar o banheiro a primeira
vez no dia já sabia o que iria fazer a tarde. Depois de descansar após o almoço
eu iria. O que não aconteceu. Me deu uma fraqueza e acabei acordando apenas as
cinco da tarde. Chovia. Não lembro se chovia antes. Voltei a dormir. No segundo
dia acordei mais cedo. Relampejo corporal que me acordou: estava grudento na
região solar. Fui obrigado a tomar banho e trocar de roupa. Fazia frio, o que tornou
a atividade de difícil enredo. Enquanto notei a dor que tinha em meu peito, que
se localizava a dois dedos de meu terceiro mamilo, pensamento-frouxo diz para
mim que havia Panácea à venda naquela tal loja. Esquisito. Eu não sabia o que
aquilo significava. Porém, jeito-curioso de minha performance diária me
cutucava para ver o que aquilo era. Isso me fez construir a primeira pergunta do dia:
"vou ter que sair neste frio." Não era bem uma pergunta, mas gerava
comos-de-afazeres tal tarefa. Vai saber?
Coloquei a roupa mais quente que
tinha. Eu me tornei uma pantufa humana. Me tornei um imenso farol andando na
rua para qualquer olhar. Era como se me invadissem, criticavam telepaticamente
minha ignorância em termos de combinações entre cores, texturas, sobreposições
e outras maneirismos técnicos que não decifrei. Sorte minha que logo
chegando a segunda quadra de minha viagem uma longa chuva cobriu tudo. Homens e
mulheres se refugiavam como se tivesse um bombardeio. Triste país-meu; nunca
guerra teve. Não sei o que é. Mas igualizo significado de guerra a
chuva-trompeta. Assim era a chuva que caía: chuva-trompeta. Como uma boa
pantufa que eu estava, nada de água tocou minha pele. Segui viagem. Atrás da
tal Panácea. Lembrei de relampeio que estava perto da casa de meu amigo. Pessoa
séria. Postura-modular; de modelo mesmo. Sempre fez exercício desde de pequeno.
Minhas orelhas, que são favas de Jataí, nunca escutaram reclamação de tal boca
dele referente a problemas nas costas. Abismal. Simplesmente, abismal. Bati na
porta da casa dele e fui entrando. Sua vida se resume a ficar sentado numa
cadeira de rodas. Nunca me falou o que aconteceu a ele. Não perguntei também.
Não sou indigesto. Fiquei com calor ao entrar na casa dele e tirei alguns pares
de roupa. Ele estava parado olhando uma samambaia quando o vi.
- Qualquer coisa de absurdo há nesse
animal. Ele parece de borracha.
Compreendi de imediato que ele não
olhava a planta. Raciocínio meu andava a toda naquele dia. O que me deixou
cansado e com vontade de dormir. Eu vestia camiseta vermelho-caqui.
- Ela estava na porta ontem de noite.
Correu da chuva e agora está ali. Tenho fraco com esses animais. Soube que as
aranhas é o sua comida preferida para comer. Ele parece uma borracha que gruda.
Olhei para a parede. Não achei nada.
Sempre que olho paredes verdes, como aquela de meu amigo, lembro de tartarugas.
O casco da tartaruga é uma parede de tão resistente. Qual seria o gosto de uma
tartaruga? Pensamento-fluxo meu parou no seguinte-segundo; gargalhada afônica
de meu amigo me despertou num susto.
- Ele fez xixi.
Isso sempre me dá vontade de rir.
Quando vou fazer xixi sempre rio. Mas não era pra isso que eu tinha ido até lá.
Eu então abri a boca e depois de uns trinta segundos falei:
- Grande parsa! Vim aqui dizer que o
estimo ainda mais depois de nossa última sessão de descarrego verbal. Agradeço a
sua afasia total em nosso encontro de sábado.
- Que bebedeira! Mas que vens fazer aqui?
- Estou com uma imagem em minha cabeça...
- Você tomando banho com a sua mãe?
- Não.
- Estava brincando.
- O letreiro de uma loja que vende Panácea.
Você sabe me dizer o que é isso?
- Acredito que isso não lhe servirá para
muito.
- Você desconhece, né?
- É uma palavra usada apenas por pessoas
que estudam palavras antigas ou que conhecem algo de medicina medieval. O que não
posso dizer que é um fato consumado. Olhe lá! Ele vai se mexer de novo.
Deixei meu amigo sério ali. Sai pela porta, devo
ter falado alguma coisa após outra gargalhada afásica sempre confundida com um grunhido.
Má-educação de ouvintes ignorantes. Diabos. Eu de pantufa estava na rua. Chuva-trompeta
agora estava em ritmo de Rai argelino. Me exibia com passos de dança. A água estava
na minhas canelas. Mas pouco importava. Até me deu um ponto branco de tristeza no
coração. Lembrei que sempre usei inseticida em vez de amor. Metamorfósico, talvez.
Procurava a tal loja. Mas me divertia pisando forte na calçada que eu não via. A
água pulava pra cima me molhando. Me divertia ainda mais. A água subiu rapidamente até minha
coxa. Naquele momento percebi que estava com frio. A água estava com cor de besouro.
Sacos plásticos nadavam como piabas. O que era estranho, pois não havia piabas naquela
região. Eu seguia vivente naquela água inteira. Quando fiquei cansado; subi numa
árvore. Ela se chamava Diara. Ela me contou que eu não devia andar por ali. Que
o tempo não era propício. Que lugar bom para andar naquela época era Fukushima,
mas que mesmo essa já não estava em seus bons velhos tempos. Contou piadaS de Pica-Pau
misturando seus nomes com o do Quero-Quero. Fiz xixi de tanto ri e ri mais ainda
quando fiz xixi. Olhando a água vi uma placa boiando: "Ven...-se...anác..a...."
Não entendi. Diara me abraçou e no meio do seu tronco dormi. Estava sequinho demais,
quentinho demais, que tirei a pantufa toda. Deu preguiça e eu dormi. No meio do sonho me falei: "Outro dia eu vou atrás da tal coisa que esqueci."
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