Dois homens da lei estão na frente de uma casa. Eles
esperam dois colegas que estão lá dentro.
Homem da lei 1: Está
fazendo calor. O vento dobra ali na esquina. Vai chover forte hoje.
Homem da lei 2: Você
sempre diz que vai chover forte.
Homem da lei 1: É
aquela mesma dor ainda? Percebo que você está incomodado.
Homem da lei 2: Não
estou com dor nenhuma. Estou cuidando para que ninguém entre e para que ninguém
saia.
Homem da lei 1: Alguma
hora alguém vai sair e outro irá entrar.
Homem da lei 2: Cuida
o que você tem que fazer que eu faço o que é reservado a mim.
Homem da lei 1: Tenho
que fazer o mesmo que você.
Homem da lei 2: Mas
fazemos diferente.
Homem da lei 1: De
qualquer forma vai chover e você está com cara de dor.
Homem da lei 2: Você
falou de novo que vai chover.
Homem da lei 1: Se
escutarmos um tiro entramos?
Homem da lei 2: Até
parece que você nunca ficou de tocaia. (silêncio)
Homem da lei 1: Um
tiro!
Homem da lei 2: Aonde?
Homem da lei 1: Lugar
nenhum.
Homem da lei 2: Que
susto!
Homem da lei 1: Estamos
aqui a meia hora. Ninguém passa. Nem uma revistadinha a gente deu hoje. Estou
com o cartucho cheio.
Homem da lei 2: Agora
concordo contigo. Estou triste e entediado.
Homem da lei 1: Se
tivesse ao menos um cachorro pra gente bater.
Homem da lei 2: Ou
enfiar o bastão no cu dele. (riem os dois)
Homem da lei 1: Aquele
dia foi legal.
Homem da lei 2: Queria
um sorvete.
(O homem da lei 3 sai da casa com um homem mais novo nos braços.Esse
homem mais novo está algemado e percebesse no aspecto dele que está em estado
de choque. O homem mais novo está petrificado a tal ponto que sua figura é
quase cômica. Ele permanecerá nessa expressão até o final da cena.)
Homem da lei 3: Fica
aí o filha da puta. (aos dois que estavam
na rua) Cuidem dele! Colem nele! Se ele fugir eu mato vocês dois! Ouviram?
Vou lá falar com a mãe dele. Esse puto matou o pai a facadas. Tudo cheio de
sangue. Vou ver se ele escondeu alguma coisa, porque parece que o bebê grande
aqui, o pele de merda, sumiu com os brinquedinhos... (entra na casa) (os dois
homens da lei olham para o homem mais novo como se ele fosse um produto para se
usar. Após um breve silêncio.)
Homem da lei 1: Está
petrificado! Virou pedra. Ô! Ô! Tu matou o velho mesmo? (silêncio) Hein? (silêncio)
O cara não responde.
Homem da lei 2: Moleque,
tu matou o cara? (silêncio) Falar
ajuda. Quem nunca pensou em matar o pai na vida. E a mãe?
Homem da lei 1: Mãe?
Claro que não. Mãe não se mata. Pai até vai. Tia, primo, amante. Mas mãe,
criança e gente velha ninguém aceita.
Homem da lei 2: O
Madre Tereza, fica quietinha. (ao homem
mais novo) Tu matou o cara ou não? (silêncio)
Quem cala consente. Matar o próprio pai! Aposto que foi a facadas. Morte por
faca dá em sangue. Muito sangue. Sujeira pra todo lado. Quantas foram? Duas?
Cinco? Matar a facada. O gesto é bonito, né? (mimetiza o gesto de estar com uma faca na mão e imita golpes a faca no
homem mais novo. Ele conta as facadas imaginárias que dá. Os gestos são forte e
precisos.) Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez! E
puxa pra cima! É poético!
Homem da lei 1: Os
pés dele estão com sangue. As mãos não estão. Tu matou mesmo? (silêncio)
Homem da lei 2: Fala,
porra! (bate no homem mais novo que cai
no chão. Ele chora baixinho.) Fique em pé! Desculpa!
Homem da lei 1: Como
tu pode pedir desculpa pra ele? Ele está preso? É um assassino!
Homem da lei 2: Ele
está preso. Com isso está sob a responsabilidade do governo. Eu sou o governo.
Homem da lei 1: Você?
(ri) Você esta longe de ser a
ferramenta de justiça deste país.
Homem da lei 2: Você
quer dizer o que?
Homem da lei 1: Esse
homem é um assassino. O mínimo que se pode fazer é ter cuidado para que ele não
faça isso de novo. Se ele estiver pensando em te matar?
Homem da lei 2: Devo
me proteger.
Homem da lei 1: Sim!
Então... Bate nele agora.
Homem da lei 2: (ele bate no homem mais novo várias
vezes. O homem da lei 1 fica olhando)
Ufa! Agora ele está debilitado. Será mais difícil me atacar.
Homem da lei 1: Sim.
Agora sossegue. Vai chover logo.
Homem da lei 2: O
que os espectadores vão pensar de mim?
Homem da lei 1: Nada.
Eles estão acostumados. Eles querem que assassinos de pais e mães de família
morram.
Homem da lei 2: Mas
ele não matou a mãe dele.
Homem da lei 1: Você
complica demais. Ele iria, mas nós a salvamos. Está bem?
(O homem da lei 3 e 4 saem da casa.)
Homem da lei 3: Vamos
embora. Ligeiro!
Homem da lei 4: Deixa
essa cara aí. Pegamos o homem errado.
Homem da lei 1: Como
sabem?
Homem da lei 4: A
velha era muda. Solta ele e vamos embora.
(os homens da lei soltam o homem mais novo e saem de cena.)
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