quarta-feira, 1 de julho de 2015

os homens da lei

Dois homens da lei estão na frente de uma casa. Eles esperam dois colegas que estão lá dentro.
Homem da lei 1: Está fazendo calor. O vento dobra ali na esquina. Vai chover forte hoje.
Homem da lei 2: Você sempre diz que vai chover forte.
Homem da lei 1: É aquela mesma dor ainda? Percebo que você está incomodado.
Homem da lei 2: Não estou com dor nenhuma. Estou cuidando para que ninguém entre e para que ninguém saia.
Homem da lei 1: Alguma hora alguém vai sair e outro irá entrar.
Homem da lei 2: Cuida o que você tem que fazer que eu faço o que é reservado a mim.
Homem da lei 1: Tenho que fazer o mesmo que você.
Homem da lei 2: Mas fazemos diferente.
Homem da lei 1: De qualquer forma vai chover e você está com cara de dor.
Homem da lei 2: Você falou de novo que vai chover.
Homem da lei 1: Se escutarmos um tiro entramos?
Homem da lei 2: Até parece que você nunca ficou de tocaia. (silêncio)
Homem da lei 1: Um tiro!
Homem da lei 2: Aonde?
Homem da lei 1: Lugar nenhum.
Homem da lei 2: Que susto!
Homem da lei 1: Estamos aqui a meia hora. Ninguém passa. Nem uma revistadinha a gente deu hoje. Estou com o cartucho cheio.
Homem da lei 2: Agora concordo contigo. Estou triste e entediado.
Homem da lei 1: Se tivesse ao menos um cachorro pra gente bater.
Homem da lei 2: Ou enfiar o bastão no cu dele. (riem os dois)
Homem da lei 1: Aquele dia foi legal.
Homem da lei 2: Queria um sorvete.
(O homem da lei 3 sai da casa com um homem mais novo nos braços.Esse homem mais novo está algemado e percebesse no aspecto dele que está em estado de choque. O homem mais novo está petrificado a tal ponto que sua figura é quase cômica. Ele permanecerá nessa expressão até o final da cena.)
Homem da lei 3: Fica aí o filha da puta. (aos dois que estavam na rua) Cuidem dele! Colem nele! Se ele fugir eu mato vocês dois! Ouviram? Vou lá falar com a mãe dele. Esse puto matou o pai a facadas. Tudo cheio de sangue. Vou ver se ele escondeu alguma coisa, porque parece que o bebê grande aqui, o pele de merda, sumiu com os brinquedinhos... (entra na casa) (os dois homens da lei olham para o homem mais novo como se ele fosse um produto para se usar. Após um breve silêncio.)
Homem da lei 1: Está petrificado! Virou pedra. Ô! Ô! Tu matou o velho mesmo? (silêncio) Hein? (silêncio) O cara não responde.
Homem da lei 2: Moleque, tu matou o cara? (silêncio) Falar ajuda. Quem nunca pensou em matar o pai na vida. E a mãe?
Homem da lei 1: Mãe? Claro que não. Mãe não se mata. Pai até vai. Tia, primo, amante. Mas mãe, criança e gente velha ninguém aceita.
Homem da lei 2: O Madre Tereza, fica quietinha. (ao homem mais novo) Tu matou o cara ou não? (silêncio) Quem cala consente. Matar o próprio pai! Aposto que foi a facadas. Morte por faca dá em sangue. Muito sangue. Sujeira pra todo lado. Quantas foram? Duas? Cinco? Matar a facada. O gesto é bonito, né? (mimetiza o gesto de estar com uma faca na mão e imita golpes a faca no homem mais novo. Ele conta as facadas imaginárias que dá. Os gestos são forte e precisos.) Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez! E puxa pra cima! É poético!
Homem da lei 1: Os pés dele estão com sangue. As mãos não estão. Tu matou mesmo? (silêncio)
Homem da lei 2: Fala, porra! (bate no homem mais novo que cai no chão. Ele chora baixinho.) Fique em pé! Desculpa!
Homem da lei 1: Como tu pode pedir desculpa pra ele? Ele está preso? É um assassino!
Homem da lei 2: Ele está preso. Com isso está sob a responsabilidade do governo. Eu sou o governo.
Homem da lei 1: Você? (ri) Você esta longe de ser a ferramenta de justiça deste país.
Homem da lei 2: Você quer dizer o que?
Homem da lei 1: Esse homem é um assassino. O mínimo que se pode fazer é ter cuidado para que ele não faça isso de novo. Se ele estiver pensando em te matar?
Homem da lei 2: Devo me proteger.
Homem da lei 1: Sim! Então... Bate nele agora.
Homem da lei 2: (ele bate no homem mais novo várias vezes. O homem da lei 1 fica olhando) Ufa! Agora ele está debilitado. Será mais difícil me atacar.
Homem da lei 1: Sim. Agora sossegue. Vai chover logo.
Homem da lei 2: O que os espectadores vão pensar de mim?
Homem da lei 1: Nada. Eles estão acostumados. Eles querem que assassinos de pais e mães de família morram.
Homem da lei 2: Mas ele não matou a mãe dele.
Homem da lei 1: Você complica demais. Ele iria, mas nós a salvamos. Está bem?

(O homem da lei 3 e 4 saem da casa.)

Homem da lei 3: Vamos embora. Ligeiro!
Homem da lei 4: Deixa essa cara aí. Pegamos o homem errado.  
Homem da lei 1: Como sabem?
Homem da lei 4: A velha era muda. Solta ele e vamos embora.

(os homens da lei soltam o homem mais novo e saem de cena.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário