terça-feira, 25 de outubro de 2011

Nota 1 (o senhor)

Por enquanto o dia é o mesmo de ontem, mais uma vez. Variações no céu indicam uma pequena frente fria e chuva torrencial por algumas horas. Porém o passar das horas são variáveis, lembrando que o tempo para todos é o mesmo. Retomando, o dia é o mesmo de ontem. A mesma hora soada como perdida e aquele vazio entre o espaço ocupado por móveis entre a janela que sempre permanece fechada e a porta que dá para o mesmo corredor frio de sempre. Ele está com fome. Algumas feridas entre os dedos dos pés que o médico obrigou que ele não as tocasse. "Médico estúpido!", ele pensa sozinho, mais uma vez. Ele não pode alcançar as próprias canelas, ele não consegue mexer as pernas, como iria coçar as feridas? Lembrando pela primeira vez: ele está sentado na cadeira de rodas, embaixo da janela de vidros fechados. A imagem é um velho galpão com o telhado repleto de pombos. Ainda é tarde, mesmo havendo Sol. Para ele é sempre tarde, é sempre atrasado e repetição. A dor nas costas o acompanha a tempos. As suas pernas estão mais finas do que ontem. Ontem? Ele gosta de brincar que às vezes alguém irá bater na porta. Irá sentir esse cheiro forte e seco, amarelado, que está no quarto há tanto tempo. Se o tivessem deixado ali de propósito não seria tão incômodo assim. Mas daqui a pouco ela deve chegar, "bom dia, como que foi o seu dia hoje?". A mesma conversa, a mesma pergunta irritante e respondida com um silêncio tão forte como o cheiro que sai das suas pernas que aos poucos vão escurecendo. Retomando, o dia é o mesmo de ontem. Ainda é ontem, acredito. Mas agora tem vento. O vento aumenta. Aos poucos as pombas vão deixando o telhado do galpão. O teto é marrom com verde. Porque marrom com verde? Ele fecha os olhos e os ruídos são os mesmos de sempre. O vento que se repete; a respiração fraca; o muco na boca, que de vez enquanto escorrega queixo a baixo; e o vizinho de cima escutando mais um programa internacional com risadas programadas. "O inferno é corrente entre epidermes." Silêncio de pensamentos nele. Parece que nesse momento ele está dormindo. Se estivesse são de que está em silêncio de pensamento, e totalmente imóvel, pensaria que finalmente ele chegou aonde queria. Terceira parte da linha cronológica do drama: o fim. Mas abrem a porta de supetão. O vácuo criado ali dentro forma um redemoinho de vento que sai pelo corredor. O ar gelado entra rapidamente no quarto. O cheiro se torna mais forte. Ela entra com a mesma comida fria e sem gosto na tigela verde limão. As mesmas mãos que o alimentam, retiram a pequena vasilha de baixo da cadeira furada, cheia de mucos intestinais. Ele olha pra janela, pra rua, não suporta ver ela. Parece que hoje vai chover, ou ontem, enfim, mais uma vez.

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