Não me caibo. Nem me suporto. Toca a mesma música pela milésima vez ao quadrado. Não me acho. Volto as origens: coisas sagradas, tiques, manias, manhas, coisas profanas e coisas após de todos irem. Conclusão nenhuma, não há porque ter conclusão de coisas óbvias. E isso é clichê, esteriótipo antigo. Seguimos com fatos e ações. Assim não me preocupo em explicar qualquer periódico...
...
Ela massageia o pé-sem-parar. E quando para de fazer isso, fica girando o pé-sem-parar, ou mexendo ele no ritmo da música. Tudo isso com cada pé-em-um-longo-período. Enquanto lê um livro velho e sem graça. Mexendo o cabelo, larga o livro no colo, se senta na postura certa e larga mais uma informação desnecessária sobre o ridículo livro. Não quero saber sobre ele. E tenho certeza de que ela lê errado tudo que passa pelos seus olhos. E isso vai além dos livros.
- Aqui diz que tudo está aí pra gente vê. Não acredito nisso. Tem coisa que está por trás, sabe? Como essa rede de corrupção em cada canto da cidade. Na fala, na roupa. Vi um vestido no centro que você vai gostar...
E ali ela segue falando aquilo. "Vi um vestido..." Ela pensa que sou dessas mulheres que gastam o meu dinheiro com isso. Estou fazendo comida. Tenho que deixar isso claro, pois quem faz tudo nesse apartamento sou eu. Quem pega as contas e aguenta a fila no banco? Sou eu, tudo é eu. E agora cansei. Eu poderia viajar, me esvaziar durante um tempo e voltar como outra. Cheia de novidade, cheia de ares novos. Quem sabe cheia de mim. Se pelo menos chovesse.
- Conceitual! Acho que arte conceitual é algo que foge de tudo o que é arte. Imagina! Um filha da puta, porque ele foi filha da puta, pegou um mictório e mandou expor como arte! Ali foi o fim. Agora a gente fica nessa coisa sem nexo e tendo que aturar cada coisa... Por isso ninguém vai a exposição e não atura gente que faz arte. Eles tem que escrever livros e explicar a coisa. A coisa não se explica por si. Contexto! O contexto está perdido! Além do que a gente vê. Sabe?
Ela fala como se fosse verdade. Está lendo livros que falam sobre as fases da arte. A moda agora é arte conceitual. Duchamp. Pollock. Essas coisas. E minhas mãos estão inchadas e feias. Fiz a janta, lavei a louça da janta, limpei o banheiro, tomei banho, lavei a roupa, fiz o café, lavei a louça do café, fiz o almoço, lavei a louça do almoço. Menstruei e tomei chá com sangue. Ri olhando para a parede. Fiz a música tocar novamente e saltei o muro. Virei homem. Segurei um membro entre as pernas e perdi tempo no banheiro. Abri a janela e deixei a sala ficar gelada em pleno inverno. Ri olhando a porta que dá para o quarto. Me deu vontade de colocar fogo em tudo, escutando essa mesma música.
- Arte Moderna, minimalista... Aí! Estou cansada.
- Eu também.
- Mas porque? Não fizesse nada.
- Nunca te passou na cabeça que o cansaço nos mata?
- ...
- Às vezes me olho no espelho e vejo meus olhos um pouco amarelos. Uma mancha escura na volta. Eu vou embora ainda neste inverno. Quero aproveitar o verão em outro lugar.
- Como assim, Paula?
- E stá faltando alguma coisa e aqui está muito cheio.
- ...
- Tenho vontade de dar uma volta na rua de vez em quando. Sem compromisso algum, apenas ver a cidade funcionar. Apenas o fogo se espalhando. O desejo de cada um se perdendo. Uma criança segurando a mão do pai. Sentir raiva de uma moto barulhenta passando. Tenho vontade de desperdiçar a minha vida um pouco.
- Paula.
- ...
- ...
- Ontem eu cheguei em casa e a luz da sala estava ligada.
- Foi você que pediu.
- Eu sei.
Me sentei ao seu lado e a abracei. A música terminou e começou a tocar outra no som. A música não era boa, mas estava cansada demais para levantar e trocar de música.
Textos, escolhas, cenas e ações. Eu deveria descrever o blog. Mas necessito de algo mais...
quarta-feira, 25 de abril de 2012
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Os dedos
Ele tocava piano. Tocava belamente e adorava fazer isso. Era seu prazer. Um dia ele se envolveu num acidente e perdeu suas duas mãos. Não tocou mais piano e pensava diariamente em se matar. Um dia, tristes como todos os outros desde o acidente, ele viu na televisão uma pessoa tocar teclado com os pés. Ele achou aquilo horrível pois o som era péssimo. E com o dedão do pé ele desligou a televisão.
quarta-feira, 18 de abril de 2012
gotas
Pequenas gotas caem. Mínimas e longe. São quase imperceptíveis nessa escuridão. Gotas. Algum líquido grosso, pesado. Não é aguá. É tristeza enjaulada se desfazendo em gotas. E ninguém na volta. Apenas a menina com o vestido branco colado ao corpo. Jovem, está toda molhada e tenta com as mãos agarrar a parede, embora esteja de costas a mesma. As gotas caem. É escuro, o branco do vestido não é branco. Não há cor, entende? É silêncio. De repente um som forte. Pesado como um navio se aproximando. Porém, parecia que já se afastava. Tudo se afastava. Um rato passa perto dela. Há vida em torno então. Mas era rato? O som não se repete e as gotas ainda caem. O som indica a sua cor. Mas não consigo dizer qual. Um vento então se faz, me faço como pena e entro num redemoinho inesperado. Estou flutuando indo para algum lugar. Me deixo levar e sonho em morrer. Caio numa dessas gotas que a menina despeja. É como estar mergulhado numa banheira de leite condensado, porém escuro e com sabor de passado doído. Há um espelho e nele me vejo. Um espelho aqui? Eu consigo me ver nele? Meu pensamento faz mais sons que todo o ambiente. Me perdi aqui dentro. No limiar da mente.
terça-feira, 10 de abril de 2012
O menino que morreu no carnaval
"Abaixa essa merda! Não quero escutar essa bosta!"
Sua mãe gritava com ele assim. Ele escutava Erik Satie. Menino estranho e diferente. Apanhava na escola por causa disso, normal. Não há porque ter pena, aliás, dependendo da situação você bateria nele também - nós sempre criamos motivos ou discursos para nossas ações. Quando sua mãe dava a ordem ele obedecia. Ficava no silêncio. Olhava seu pai que via na televisão moças com roupas pequenas, ou sem nem isso. Entediava-se. Voltava ao seu som e colocava o cd a tocar. O cd que havia ganhava de um primo que a família chamava de louco e relaxado (não cortava o cabelo). A mãe dele gritava novamente:
"Puta merda! Tu sabe que eu não gosto que tu escute isso. Isso é triste vai te fazer mal!"
Fazia mal pra ele é o que sua mãe dizia. Naquele momento, pós desligar o som, no seu silêncio e com os olhos revirados para dentro, as palavras de sua mãe não saiam de sua cabeça. Naquele momento a bala passava pela sua cabeça. Uma. Duas. Três. Chovia balas em sua cabeça. Ele via sua mãe em pé ao seu lado, o braço direito esticado, o dedo travado no gatilho. No fundo Erik Satie. Era carnaval, seu pai estava na sala vendo moças com pouca roupas. Aquilo entendiava e muito. Aquele menino era estranho, devia apanhar. A gente tinha que bater nele. Na sua mãe também. No seu pai. E nas moças da televisão.
O menino foi apertar o play novamente. Sua mãe abriu a gaveta. O pai não previa nada. Era apenas carnaval.
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Hoje eu não fumei
Então era aquele cheiro a merda no ar. Segunda-feira. O bueiro estava aberto e cheio. Na rua, à frente de minha casa e de tantas outras, a merda da cidade inteira vira paisagem a qualquer estação. É possível ficar mais frio que isso, mas hoje já aparece um certo desconforto no vento desse começo de manhã. Mas isso não é importante, nem fornece uma nova respiração para a vida.
Me lembrei de Tolstói hoje. Vi um mendigo barbudo na rua que usava uma camiseta com a seguinte frase: "Posso ajudar?" Me deu nojo da vida naquele exato momento. Mas pra quem não tem câncer, e nem uma bala sendo apontada na cabeça, me fiz de bobo e segui em frente. Entrei na padaria. Fila. Oito horas da manhã. E tinha fila. Fui pagar as quinze pras nove e havia fila. Sai da padaria guardando o troco no bolso. Como todo pequeno burgues que não usa arma, pensei que alguém poderia me ver guardando o dinheiro na carteira: "Alguém pode passar aqui e roubar minha carteira!" Bosta! Só tinha dois reais na carteira. O almoço já fudeu. E só volto a noite. Mas ainda sou feliz e não tenho hemorroidas.
Dez e meia chego ao trabalho, atrasado. Ao encontrar o chefe deixo escapar um arroto:
- Desculpa, chefe.
- Pelo arroto ou pelo atrasado?
- Ah! Aí depende...
- Do que?
- Por qual dos dois tu vai me fuder pior.
Ele não gostou e nem entendeu o que eu queria dizer com aquilo. Eu fui sincero e precavido. É essa a verdade. Eu merecia um pedaço de cordialidade e benevolência dele. Mas não! A filha da putagem é universal, minha gente. O meu chefe, ex a partir daquele momento, encheu a boca de saliva pra me botar na rua. Em muitos casos as pessoas enfrentam as outras. Num desses casos os agentes da violência utilizam-se dos materiais que estão mais próximos de si, por exemplo: copo, cadeira, faca, pedaço de pau, prato, porrete, frutas, bolsas, grampeadores de papel, chinelos e chilenos, etc. Fui passivo, cordial e heróico. Peguei me mochila e sai pela porta. A porra do mendigo barbudo estava na frente da loja. Tolstoi maldito! Com quantos anos ele morreu? Ele morreu? Talvez a vodka tenha um pouco da poção de longevidade. Isso é de se pensar. Enquanto isso o governo segue fazendo estatísticas desnecessárias. Agora vem a onda do número de pobres, dos projetos com comunidades, as mortes por tabaco, as mortes no trânsito, as mortes por arma branca, as mortes por erro médico, as mortes em assaltos, as mortes por usuários de crack... Crack! A dificuldade é saber se é preciso fumar crack pra virar zumbi. Parado aqui na calçada, olhando a cidade andar, o jogo já está estabelecido. Todos vão, todos vêm, param e sobem, descem e contam o troco, menina bonita e sem nome passa por mim, cara de bicicleta veio de algum lugar e morrerá em algum outro, e de repente, entre os zumbis todos, vida!!! O senhorzinho, de cabelinho branco e suéter vermelho, anda a passos lentos pela rua. Cada metro é vinte passos dados. O mundo girando em alta velocidade e ele lentamente indo para algum lugar, ou fugindo da morte ou indo de abraço a sua decrepitude. Se Terra parasse de rodar abruptamente, fisicamente falando, seríamos lançados atmosfera a fora por causa da inércia. Porém aquele velhinho, cabelinho branco e suéter vermelho e pelos nas orelhas, venceria a inércia e reinaria no deserto terrestre de um dia só e uma noite só!
Porra! O ônibus não vêm. Ta demorando. Se eu pelo menos tivesse um cigarro...
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