Me lembrei de Tolstói hoje. Vi um mendigo barbudo na rua que usava uma camiseta com a seguinte frase: "Posso ajudar?" Me deu nojo da vida naquele exato momento. Mas pra quem não tem câncer, e nem uma bala sendo apontada na cabeça, me fiz de bobo e segui em frente. Entrei na padaria. Fila. Oito horas da manhã. E tinha fila. Fui pagar as quinze pras nove e havia fila. Sai da padaria guardando o troco no bolso. Como todo pequeno burgues que não usa arma, pensei que alguém poderia me ver guardando o dinheiro na carteira: "Alguém pode passar aqui e roubar minha carteira!" Bosta! Só tinha dois reais na carteira. O almoço já fudeu. E só volto a noite. Mas ainda sou feliz e não tenho hemorroidas.
Dez e meia chego ao trabalho, atrasado. Ao encontrar o chefe deixo escapar um arroto:
- Desculpa, chefe.
- Pelo arroto ou pelo atrasado?
- Ah! Aí depende...
- Do que?
- Por qual dos dois tu vai me fuder pior.
Ele não gostou e nem entendeu o que eu queria dizer com aquilo. Eu fui sincero e precavido. É essa a verdade. Eu merecia um pedaço de cordialidade e benevolência dele. Mas não! A filha da putagem é universal, minha gente. O meu chefe, ex a partir daquele momento, encheu a boca de saliva pra me botar na rua. Em muitos casos as pessoas enfrentam as outras. Num desses casos os agentes da violência utilizam-se dos materiais que estão mais próximos de si, por exemplo: copo, cadeira, faca, pedaço de pau, prato, porrete, frutas, bolsas, grampeadores de papel, chinelos e chilenos, etc. Fui passivo, cordial e heróico. Peguei me mochila e sai pela porta. A porra do mendigo barbudo estava na frente da loja. Tolstoi maldito! Com quantos anos ele morreu? Ele morreu? Talvez a vodka tenha um pouco da poção de longevidade. Isso é de se pensar. Enquanto isso o governo segue fazendo estatísticas desnecessárias. Agora vem a onda do número de pobres, dos projetos com comunidades, as mortes por tabaco, as mortes no trânsito, as mortes por arma branca, as mortes por erro médico, as mortes em assaltos, as mortes por usuários de crack... Crack! A dificuldade é saber se é preciso fumar crack pra virar zumbi. Parado aqui na calçada, olhando a cidade andar, o jogo já está estabelecido. Todos vão, todos vêm, param e sobem, descem e contam o troco, menina bonita e sem nome passa por mim, cara de bicicleta veio de algum lugar e morrerá em algum outro, e de repente, entre os zumbis todos, vida!!! O senhorzinho, de cabelinho branco e suéter vermelho, anda a passos lentos pela rua. Cada metro é vinte passos dados. O mundo girando em alta velocidade e ele lentamente indo para algum lugar, ou fugindo da morte ou indo de abraço a sua decrepitude. Se Terra parasse de rodar abruptamente, fisicamente falando, seríamos lançados atmosfera a fora por causa da inércia. Porém aquele velhinho, cabelinho branco e suéter vermelho e pelos nas orelhas, venceria a inércia e reinaria no deserto terrestre de um dia só e uma noite só!
Porra! O ônibus não vêm. Ta demorando. Se eu pelo menos tivesse um cigarro...
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