quinta-feira, 24 de julho de 2014

Em busca de um ser fleumático - a contraposição

Depois de nadar no mar ele resolveu andar em toda a sua margem. De carro observava todo o mar cinza. Na margem das casas. O mar cinza. Estava escurecendo. Lá no alto do céu um pássaro de peito amarelo plainava em busca de comida. Maria Chorona cantava do outro lado do continente. Nos seus olhos?, todo o mar se agitando aos poucos, antes, abraçava o mar e ele o consumia. Nadava mar a fora e o mar o abraçava a dentro. O pássaro amarelo mirou o bico em direção a pequena duna lá embaixo, rastejava um ser humano desproporcional, havia mais submissão existencial que desejos pingando nas mãos, um pé era maior que o outro também. O carro agora chegava a uma grande velocidade, balançava um pouco por causa do vento. Ventava, imaginava um risco na sombra disforme do Sol que já não havia ou que estava derretido, líquido. O pássaro deu um rasante ao poste morto, agarrou um fio qualquer e olhou o mar. Todos os olhos olharam o mar. O mar crescia delinquentemente,  já havia alcançado a estrada, o carro já estava molhando as rodas, o pássaro amarelo não poderia mais ser visto em meio a tantas nuvens que chegavam. O mundo escureceu. Maria Chorona havia avisado lá do outro lado. Eram montanhas moventes que apareciam do mar. Imensas ondas. O pássaro voou em direção ao continente, seu peito amarelo ficou marrom, a fome dele sumiu. O homem, ele, no carro acelerava, a medida que aumentava a velocidade as ondas cinzas aumentavam, a estrada afunilava e de imediato como um sonho, era, pedras e rochas, dois rochedos nasceram. Pássaro ali se escondia, mas ele não existia mais, nunca havia, animal inventado. O homem preocupado acelerou, perna esticada, braço dolorido, peito aberto, a onda aumentou, seis andares, sete, entrou nos rochedos que criavam uma pequena estrada, ele via a sua frente a água entrando, no retrovisor?. a mesma coisa, a água o pegaria, como?, pensou rápido, a onda chegou, ele acelerou o carro num ímpeto irracional. A água levantou o carro através de um redemoinho frio, raspou nas pedras, pairou no ar quando a água começou a baixar, a onda estava indo embora. O carro caiu. O homem havia se segurado numa pedra em alguma lugar no rochedo. Ele estava com medo. Estava tudo cinza e frio. Longe do chão. Os braços iriam cansar. Ele iria enferrujar logo e cairia. Grito inevitável. Ninguém iria escutar. Ele avistou uma sombra disforme no céu. Ela não se mexia. Ele também. Cerrou os olhos e imaginou ser um pássaro que sairia dali. Se soltou da pedra em falso acordando sem saber onde estava.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

Contrapontos de um mesmo pampa

Tomo o último gole de café ensopado de frio, você está bebendo demais, amor. É apenas o café hoje, mesmo que o pampa-lugar-de-onde-falo não tenha tempo, tento e me mantenho acordado por mais um momento. Lembro: "eu queria esquecer que existo". Os dois deveriam ter se encontrado naquela mesma cama de sempre, você está bonita, amor, ele veria aquele sorriso que tanto dizia de imediato numa leve brisa, teu nome é primavera. Sutil. Menos travesseiros ou enganos ou presságios e mais embaralho de pernas ou sonhos ou vergonha na cara. Você, meu caro amigo, nunca aprendeu a lidar com suas emoções, e eles não se encontraram naquela cama-mar tanto mencionada, amor. Eu sei disso, companheiro, mas nunca fale sobre isso de novo. Há tanto de campo entre nós que minha solidão está sendo loteada por fantasmas. Sopro de vento aumenta na rua e mundo parece entender que muito deixei de existir. Há algo de entedioso no seu estar, amigo, rompante de pampa amante do inverno se aprochega em sua varanda úmida, gostaria muito de te ver amanhã, agora mesmo e romper o espaço que há entre nós e te dar um beijo, amor, ele gostaria de deixar todas as coisas para trás, mas ainda é fraco. O que lhe passa na cabeça? Lembro: crescer é fazer escolhas e lidar com as conseqüências. Do lugar onde ele está não se vê a cidade, não há barulho nenhum a não ser de seu pensamento, não há tropical, nem beco de Bandeira, não se fala de praia, não se conhece o corcovado, e cachaça de Itapuã?, nada se encontra onde ele está, deixou de representar muito, vive agora três personagens cotidianos que vivem e brigam entre si dentro de sua própria carne ansiosa. Abstêmio e não fumante por seis longos dias infernais. Metais invocam Ave Maria a pedido do diabo que insiste em morar dentro da cabeça dele. Ele vai a cozinha e pega a faca e o afiador. Silêncio de vizinho recorda cotidiano e rompe cerca de seu umbigo-limbo-total, buenas?, como que está?, sabe o que aconteceu com vizinho, cercado pela morte, como?, bateu com moto em serra longínqua, torcedor fervoroso da Alemanha morreu antes de gritar campeão. Comprarei um lugar para ser feliz amanhã, terremoto em solidão, ele afia a faca pensando poder cortar algum trecho do passado como se tirasse um pedaço qualquer de um boi, qual?, aquele que ele dividiu a sua vida, voltemos, neste momento penso que deveria pensar mais naquilo que poderia me dar mais firmeza no âmbito profissional, amor. Durmo como animal acuado, ele pensa que alguém entrará na sua casa-que-não-é-sua lhe arrancando de mais um pesadelo e fazer com que viva em alguma altitude afastada do mar, aquele mesmo que sonho e já falei. Lembro: sonhei com aranhas e escorpiões de cobre ontem a noite, senti medo eles estavam por toda parte. Por mim você ficaria todos os dias aqui, não houve amor no complemento, família dele o olha como albino entre zebus urbanos que rondam margens de grades enferrujadas de qualquer coisa que se ensina a muito tempo. Você pode dar aula de que? A massa pobre de humanos coisificados vivendo vidinha chula lutam cotidianamente por si imaginando qualquer coisa redonda e em fogos, amigo você procurou emprego hoje?, em fogos cair num átimo do firmamento queimando todos e tendo longo período de chuva afogando o resto. Ficarei em pé para descrever tudo. Percebe o mundo estranho que crio sozinho?, você fala como se tudo existisse na sua volta, amigo, previsão climática anuncia frio estrondoso para realidade cortante. As pessoas ficarão tapadas de frio. Na casa dele agora não há ninguém, ele se senta e escreve, pretensão de olhares, se assombra com o fato de poder ter alguém-invisível o observando, sobe em ônibus, passa por acidente, por pessoas, ainda bem que cheguei, amor, não digo que cedo, deveria ter estado aqui muito antes. O silêncio feito na cabeça dele era um eco de esquecimento de palavras, quais são as melhores?, sempre se torna chato quando tenta agradar alguém, ele quer agradá-la, havia algo entre o fato de eu não existir antes e sem você agora, amor, e a relação entre o seu sorriso e minha felicidade. Tremes delirium no silêncio diário dele. Cachorro com fome de costelas soltadas percebe senhora que come um pão com mortadela, apartamento de três dormitórios a alugar no oitavo andar, peso por doze centavos, morrem mais de trezentos palestinos somente hoje, eu preciso tomar outro café, mantém minha ansiedade baixa por incrível que pareça, amor, e eu estou ansioso pra caramba. Quando foi que ele começou a ficar assim? Lembro: te amo mais do que pensava e minha presença para mim está irritante. Previsão climática de Evandro é fatal: choverá-choro em apenas um lugar do pampa essa noite.

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Dia frio - anotação III - extraído de algo longemente passado

Terceiro dia seguido de frio. A casa suava por todos os lugares. Acordei com a garganta e a vontade de viver totalmente secas. Meus olhos ainda não se acostumaram com tamanha luz. A porta estava cada vez mais longe de minha cama. Sacrifício indolente era sempremente sair. Não escutava nada-sempre de princípio. Anteontem, ao dormir, percebi que meus pensamentos estavam altos. Falava comigo mesmo em tom de terceira pessoa tendo no mínimo quatro espectadores. Eles reagiam a caba réplica. Óbvio. Indo embora logo no começo. Depois de algum tempo, no cansaço mental, escutei a chuva. Abri a janela a água despejou para dentro de meu quarto. Havia muita água na rua. Percebi então que chovia há muito tempo, refletindo sobre o nível de água na rua. Estava fria. Fechei a janela por isso. Abri um buraco no chão com alguma coisa pontiaguda que achei em algum lugar. Na minha perna talvez. A situação, inédita na minha vida, não me assustou. Na verdade fiquei um pouco entediado e voltei a falar comigo mesmo. Meu cachorro forçava a entrada de meu quarto. Fazia um barulho perturbador. Não me movi e nem pensei. Me fingi como um bom cadáver. Os cadáveres não pensam. Não pensei. Mas Pisca, assim é o nome dele, é esperto demais e começou a latir. Me levantei. Novamente molhei as pernas. Água até o joelho. Estava fria ainda. Espirrei. Previsível. Comecei a sentir frio. Previsível também. Senti a vida um pouco obsoleta. Por um momento pensei que um mosquito tinha me picado. Ou algum pássaro dado um rasante e minha cabeça. Dentro de meu quarto? Mas isso é um pensamento, poderia ter sido uma máquina do tempo, repleta de cartas do passado, espalhando cinzas de memórias que se perderiam todas naquela água marrom que me fazia tremer mais. Eu não tenho armário e não teria como pegar um casaco ou um paletó. Abri a porta de uma vez. Pisca pulou em meu peito. A água escorreu para a sala-cozinha. Estava calor ali. Fedia. Pisca me lambeu e percebi que estava sangrando muito. Fiquei com nojo dele e vi um homem na janela. Vestia vermelho e se dizia dos bombeiros. Mandei ir embora. Ele gritou outras coisas, mas não entendi. Adormeci logo depois. Havia imaginado qualquer coisa parecida com isso antes de acordar. Acordei mijado. Com dor nas costas e com um gato em meus pés. Presumi que o gato havia mijado e não eu. Tomei a primeira decisão do dia: colocaria a responsabilidade de qualquer acidente nos outros. 

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Pequena-flor

I

Chuva-chorada caía na cidade
e no meio de milhões de gotas
uma pequena-flor branca se protegia

Eu, homem-tédio, tocava meu falso trompete
(como manda meu itinerário)
em busca de outro conto imaginário para formular

Tudo ao contrário
Mas fazia o meu tipo
Tudo ardia

Pequena-flor de olhos vivos me desfez
de mil memórias onde saiu o velho desejo
que chuva-chorada caía em prata desta vez
e com meu olhativo tentei te dar um beijo

Rua-poetisa soava música em homenagem
ao nosso encontro de silêncios-filetes
dançando em meio ao nosso humor-boa-viagem
Pequena-flor exaltava perfume em minha tosca face
e eu tentava seduzir com velhos cacoetes

II

Nunca uma estrada vazia se fez tão bela
Nunca tinha sido tatuado
Marca de beleza-rainha em meu andar
Não houve fim, mas um eternizar

III

E hoje a chuva-chorada não está
em seu lugar chove-choro
dias assim não estou de bem com a vida
não passa na alma afogar-me em conhaque

Queria virar borboleta jogada de vez
em vez de fazer votos em versos para aquilo que tanto rasurei

O passado ilumina tudo o que vejo aqui
quarto-mirante de sonhos que me faz lembrar:
"Eu velejava em você!"
Rosto seu aparece em mar e em Lua
Nadando em mar-poema feito a dois

Porém, hoje me afogarei sem renascer

IV

Doses triplas de Aldir Blanc
Penso na miséria da tristeza e da saudade

Como para sentir suas andorinhas em mim
Teu amor-andorinha fez ninho eterno aqui
Canta em meio ao jardim de Pequena-Flor
Onde brincamos de crianças, amantes, acrobatas

Querida querubim molhada de terra branca
Submersa em nuvens a luzir, lembro-me que
Nosso amor nunca foi barato
e que tua ausência é extremamente irritante