segunda-feira, 21 de julho de 2014

Contrapontos de um mesmo pampa

Tomo o último gole de café ensopado de frio, você está bebendo demais, amor. É apenas o café hoje, mesmo que o pampa-lugar-de-onde-falo não tenha tempo, tento e me mantenho acordado por mais um momento. Lembro: "eu queria esquecer que existo". Os dois deveriam ter se encontrado naquela mesma cama de sempre, você está bonita, amor, ele veria aquele sorriso que tanto dizia de imediato numa leve brisa, teu nome é primavera. Sutil. Menos travesseiros ou enganos ou presságios e mais embaralho de pernas ou sonhos ou vergonha na cara. Você, meu caro amigo, nunca aprendeu a lidar com suas emoções, e eles não se encontraram naquela cama-mar tanto mencionada, amor. Eu sei disso, companheiro, mas nunca fale sobre isso de novo. Há tanto de campo entre nós que minha solidão está sendo loteada por fantasmas. Sopro de vento aumenta na rua e mundo parece entender que muito deixei de existir. Há algo de entedioso no seu estar, amigo, rompante de pampa amante do inverno se aprochega em sua varanda úmida, gostaria muito de te ver amanhã, agora mesmo e romper o espaço que há entre nós e te dar um beijo, amor, ele gostaria de deixar todas as coisas para trás, mas ainda é fraco. O que lhe passa na cabeça? Lembro: crescer é fazer escolhas e lidar com as conseqüências. Do lugar onde ele está não se vê a cidade, não há barulho nenhum a não ser de seu pensamento, não há tropical, nem beco de Bandeira, não se fala de praia, não se conhece o corcovado, e cachaça de Itapuã?, nada se encontra onde ele está, deixou de representar muito, vive agora três personagens cotidianos que vivem e brigam entre si dentro de sua própria carne ansiosa. Abstêmio e não fumante por seis longos dias infernais. Metais invocam Ave Maria a pedido do diabo que insiste em morar dentro da cabeça dele. Ele vai a cozinha e pega a faca e o afiador. Silêncio de vizinho recorda cotidiano e rompe cerca de seu umbigo-limbo-total, buenas?, como que está?, sabe o que aconteceu com vizinho, cercado pela morte, como?, bateu com moto em serra longínqua, torcedor fervoroso da Alemanha morreu antes de gritar campeão. Comprarei um lugar para ser feliz amanhã, terremoto em solidão, ele afia a faca pensando poder cortar algum trecho do passado como se tirasse um pedaço qualquer de um boi, qual?, aquele que ele dividiu a sua vida, voltemos, neste momento penso que deveria pensar mais naquilo que poderia me dar mais firmeza no âmbito profissional, amor. Durmo como animal acuado, ele pensa que alguém entrará na sua casa-que-não-é-sua lhe arrancando de mais um pesadelo e fazer com que viva em alguma altitude afastada do mar, aquele mesmo que sonho e já falei. Lembro: sonhei com aranhas e escorpiões de cobre ontem a noite, senti medo eles estavam por toda parte. Por mim você ficaria todos os dias aqui, não houve amor no complemento, família dele o olha como albino entre zebus urbanos que rondam margens de grades enferrujadas de qualquer coisa que se ensina a muito tempo. Você pode dar aula de que? A massa pobre de humanos coisificados vivendo vidinha chula lutam cotidianamente por si imaginando qualquer coisa redonda e em fogos, amigo você procurou emprego hoje?, em fogos cair num átimo do firmamento queimando todos e tendo longo período de chuva afogando o resto. Ficarei em pé para descrever tudo. Percebe o mundo estranho que crio sozinho?, você fala como se tudo existisse na sua volta, amigo, previsão climática anuncia frio estrondoso para realidade cortante. As pessoas ficarão tapadas de frio. Na casa dele agora não há ninguém, ele se senta e escreve, pretensão de olhares, se assombra com o fato de poder ter alguém-invisível o observando, sobe em ônibus, passa por acidente, por pessoas, ainda bem que cheguei, amor, não digo que cedo, deveria ter estado aqui muito antes. O silêncio feito na cabeça dele era um eco de esquecimento de palavras, quais são as melhores?, sempre se torna chato quando tenta agradar alguém, ele quer agradá-la, havia algo entre o fato de eu não existir antes e sem você agora, amor, e a relação entre o seu sorriso e minha felicidade. Tremes delirium no silêncio diário dele. Cachorro com fome de costelas soltadas percebe senhora que come um pão com mortadela, apartamento de três dormitórios a alugar no oitavo andar, peso por doze centavos, morrem mais de trezentos palestinos somente hoje, eu preciso tomar outro café, mantém minha ansiedade baixa por incrível que pareça, amor, e eu estou ansioso pra caramba. Quando foi que ele começou a ficar assim? Lembro: te amo mais do que pensava e minha presença para mim está irritante. Previsão climática de Evandro é fatal: choverá-choro em apenas um lugar do pampa essa noite.

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