Tomo o último gole de café ensopado
de frio, você está bebendo demais, amor. É apenas o café hoje, mesmo que o
pampa-lugar-de-onde-falo não tenha tempo, tento e me mantenho acordado por mais
um momento. Lembro: "eu queria esquecer que existo". Os dois deveriam
ter se encontrado naquela mesma cama de sempre, você está bonita, amor, ele
veria aquele sorriso que tanto dizia de imediato numa leve brisa, teu nome é primavera.
Sutil. Menos travesseiros ou enganos ou presságios e mais embaralho de pernas
ou sonhos ou vergonha na cara. Você, meu caro amigo, nunca aprendeu a lidar com
suas emoções, e eles não se encontraram naquela cama-mar tanto mencionada,
amor. Eu sei disso, companheiro, mas nunca fale sobre isso de novo. Há tanto de
campo entre nós que minha solidão está sendo loteada por fantasmas. Sopro de
vento aumenta na rua e mundo parece entender que muito deixei de existir. Há
algo de entedioso no seu estar, amigo, rompante de pampa amante do inverno se
aprochega em sua varanda úmida, gostaria muito de te ver amanhã, agora mesmo e
romper o espaço que há entre nós e te dar um beijo, amor, ele gostaria de
deixar todas as coisas para trás, mas ainda é fraco. O que lhe passa na cabeça?
Lembro: crescer é fazer escolhas e lidar com as conseqüências. Do lugar onde
ele está não se vê a cidade, não há barulho nenhum a não ser de seu pensamento,
não há tropical, nem beco de Bandeira, não se fala de praia, não se conhece o corcovado,
e cachaça de Itapuã?, nada se encontra onde ele está, deixou de representar
muito, vive agora três personagens cotidianos que vivem e brigam entre si
dentro de sua própria carne ansiosa. Abstêmio e não fumante por seis longos dias
infernais. Metais invocam Ave Maria a pedido do diabo que insiste em morar dentro
da cabeça dele. Ele vai a cozinha e pega a faca e o afiador. Silêncio de
vizinho recorda cotidiano e rompe cerca de seu umbigo-limbo-total, buenas?,
como que está?, sabe o que aconteceu com vizinho, cercado pela morte, como?,
bateu com moto em serra longínqua, torcedor fervoroso da Alemanha morreu antes
de gritar campeão. Comprarei um lugar para ser feliz amanhã, terremoto em
solidão, ele afia a faca pensando poder cortar algum trecho do passado como se tirasse
um pedaço qualquer de um boi, qual?, aquele que ele dividiu a sua vida,
voltemos, neste momento penso que deveria pensar mais naquilo que poderia me
dar mais firmeza no âmbito profissional, amor. Durmo como animal acuado, ele
pensa que alguém entrará na sua casa-que-não-é-sua lhe arrancando de mais um pesadelo
e fazer com que viva em alguma altitude afastada do mar, aquele mesmo que sonho
e já falei. Lembro: sonhei com aranhas e escorpiões de cobre ontem a noite,
senti medo eles estavam por toda parte. Por mim você ficaria todos os dias
aqui, não houve amor no complemento, família dele o olha como albino entre
zebus urbanos que rondam margens de grades enferrujadas de qualquer coisa que se
ensina a muito tempo. Você pode dar aula de que? A massa pobre de humanos coisificados
vivendo vidinha chula lutam cotidianamente por si imaginando qualquer coisa redonda
e em fogos, amigo você procurou emprego hoje?, em fogos cair num átimo do firmamento
queimando todos e tendo longo período de chuva afogando o resto. Ficarei em pé para
descrever tudo. Percebe o mundo estranho que crio sozinho?, você fala como se
tudo existisse na sua volta, amigo, previsão climática anuncia frio estrondoso para
realidade cortante. As pessoas ficarão tapadas de frio. Na casa dele agora não
há ninguém, ele se senta e escreve, pretensão de olhares, se assombra com o
fato de poder ter alguém-invisível o observando, sobe em ônibus, passa por acidente,
por pessoas, ainda bem que cheguei, amor, não digo que cedo, deveria ter estado
aqui muito antes. O silêncio feito na cabeça dele era um eco de esquecimento de
palavras, quais são as melhores?, sempre se torna chato quando tenta agradar alguém,
ele quer agradá-la, havia algo entre o fato de eu não existir antes e sem você
agora, amor, e a relação entre o seu sorriso e minha felicidade. Tremes
delirium no silêncio diário dele. Cachorro com fome de costelas soltadas
percebe senhora que come um pão com mortadela, apartamento de três dormitórios
a alugar no oitavo andar, peso por doze centavos, morrem mais de trezentos
palestinos somente hoje, eu preciso tomar outro café, mantém minha ansiedade
baixa por incrível que pareça, amor, e eu estou ansioso pra caramba. Quando foi
que ele começou a ficar assim? Lembro: te amo mais do que pensava e minha presença
para mim está irritante. Previsão climática de Evandro é fatal: choverá-choro em apenas um
lugar do pampa essa noite.
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