segunda-feira, 7 de julho de 2014

Dia frio - anotação III - extraído de algo longemente passado

Terceiro dia seguido de frio. A casa suava por todos os lugares. Acordei com a garganta e a vontade de viver totalmente secas. Meus olhos ainda não se acostumaram com tamanha luz. A porta estava cada vez mais longe de minha cama. Sacrifício indolente era sempremente sair. Não escutava nada-sempre de princípio. Anteontem, ao dormir, percebi que meus pensamentos estavam altos. Falava comigo mesmo em tom de terceira pessoa tendo no mínimo quatro espectadores. Eles reagiam a caba réplica. Óbvio. Indo embora logo no começo. Depois de algum tempo, no cansaço mental, escutei a chuva. Abri a janela a água despejou para dentro de meu quarto. Havia muita água na rua. Percebi então que chovia há muito tempo, refletindo sobre o nível de água na rua. Estava fria. Fechei a janela por isso. Abri um buraco no chão com alguma coisa pontiaguda que achei em algum lugar. Na minha perna talvez. A situação, inédita na minha vida, não me assustou. Na verdade fiquei um pouco entediado e voltei a falar comigo mesmo. Meu cachorro forçava a entrada de meu quarto. Fazia um barulho perturbador. Não me movi e nem pensei. Me fingi como um bom cadáver. Os cadáveres não pensam. Não pensei. Mas Pisca, assim é o nome dele, é esperto demais e começou a latir. Me levantei. Novamente molhei as pernas. Água até o joelho. Estava fria ainda. Espirrei. Previsível. Comecei a sentir frio. Previsível também. Senti a vida um pouco obsoleta. Por um momento pensei que um mosquito tinha me picado. Ou algum pássaro dado um rasante e minha cabeça. Dentro de meu quarto? Mas isso é um pensamento, poderia ter sido uma máquina do tempo, repleta de cartas do passado, espalhando cinzas de memórias que se perderiam todas naquela água marrom que me fazia tremer mais. Eu não tenho armário e não teria como pegar um casaco ou um paletó. Abri a porta de uma vez. Pisca pulou em meu peito. A água escorreu para a sala-cozinha. Estava calor ali. Fedia. Pisca me lambeu e percebi que estava sangrando muito. Fiquei com nojo dele e vi um homem na janela. Vestia vermelho e se dizia dos bombeiros. Mandei ir embora. Ele gritou outras coisas, mas não entendi. Adormeci logo depois. Havia imaginado qualquer coisa parecida com isso antes de acordar. Acordei mijado. Com dor nas costas e com um gato em meus pés. Presumi que o gato havia mijado e não eu. Tomei a primeira decisão do dia: colocaria a responsabilidade de qualquer acidente nos outros. 

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