sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

Calango 2

mão de homem barbudo matou cascudo. exército de formigas se deu o trabalho de recolher o imenso corpo. atiraram no fundo da casa. janela a três metros de altura observa-vá o auto em seu estado de tédio pleno. augusta. homem voltou a dormir. enquanto dorme não mata nada. calango apareceu depois de sumiço estranho. lembrou que morte existe ao ver cascudo em cartilagens vivas. formigas obesas davam trato do cadáver. em outro dia mosquitos tiveram o mesmo destino. pensou calango com sua barriga cheia. nisso colocou sua língua para fora. mirou o muro em sua frente esticando mais ainda o seu longo pescoço. não sofria da coluna. rabo dava equilíbrio na corrida quase desengonçada. se mãe de calango visse ficaria com vergonha. corria feio. feio mesmo. mas subiu em rápido o muro de quatro metros. apunhalou três mosquitos pelas costas em meio ao trote. cascudo era devorado. janela era fechada por mais um prenúncio de chuva. calango sumiu no meio do lixo-mato. outra hora as coisas todas voltariam ao ritmo. agora era a chuva que vinha trabalhar. homem na janela fechada olhava a rua e pensava: o mundo não tem pausa e isso me cansa.

domingo, 25 de janeiro de 2015

calango

três metros do chão a janela. sempre apoiada no horizonte. centro de referência é o nascer do sol. e isso acontece todo o dia. não há falhas. na base do solo vermelho um calango. imóvel. refletindo. de estômago cheio não faz movimentos. a dois metros dele um pé de boldo caído devido a última tempestade. ventava e calango não gostava disso. dizia-se que não gostava do vento. repetia-se que do vento não lhe agradava. a três metros a janela aberta como a boca dele calango. espírito de pedra feito a moldes de esverdeado. chispava a todo instante que sola humana se aproximava. os animais sabem o que o homem é capaz. incluindo as fezes diárias e os surtos de vazio existencial. calango é provedor de coragens. desde sua infância recusou consciência da morte. calango é esperto. pela janela entra água da chuva e trabalho a fazer. janela fica aberta quando quer. se fecha em momentos revoltosos. medida de couro marrom. patriota na divisão de ambientes. calango é proteção. janela é resquício de dúvida. apreensão corta ar quando tanque negro se aproxima. objeto metálico voador. resistente a suicídios o cascudo é fonte de proteínas em terras longínquas. fura parede ao da janela. calango entediado o olhava. cascudo nasceu para amaciar mundo em plena luz. sola humana é feita para andar errantemente. cascudo não. calango não. janela nada. janela é a estranha da história. dorme sem remorso e sem dar pio. nem lagarto de borracha ousou trocar versos com alguma delas as janelas. elas não se sintonizam aqui. objeto misterioso a cascudo que atravessou ela em plena treva. busca bojo luminoso no quadrante da morada humana. amaciava paredes lajotas cadeiras mesas cantos. cascudos não apreciam cantos. preferem espirais. calango é de mata fechada e mosquito no estômago. janela só não gosta de muro e domingo. dia que mais trabalha. tanque escuro e metálico de menos de uma polegada rompe o ar do quadrante da morada dos humanos. amacia o ambiente com sua armadura ante suicídio. canta com as asas. sua postura heroica é confortante.

continua

quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

acordo de súbito

devido a um trovão as 4h48min da manhã
dois terços da cidade acorda comigo

batidas secas de corpos caindo são sentidas
vindas de todas as direções
meu espelho cai como resposta

e então vejo a porta se abrir
um enorme corredor se forma
ando sobre corpos caídos
machucando os pés com o contato
com suas
clavículas
ombros
joelhos
dentes
bacias
unhas
"carne vai bem com carne" sussurram

e vou subindo a pilha
tendo nos pés sangue coagulado

faz o maior Sol de todos os tempos
chove moscas
balé de urubus
aroma de urina e etc

avisto o mar depois de um bom tempo
o sol cai a noite aparece e faz frio

acordo de súbito as 7h30min
com o corpo dolorido e olhos semi cerrados
subo no ônibus pela rua repleta de árvores roxas
cadáveres me esperam lá dentro
não me olham
avistam o mundo lá fora
o fim pela janela

"quantos anos você tem amigo?"

e o coletivo salta e se remexe sem esforço
carnes feitas de gordura e farinha
industrializados do nome aos sonhos

nunca durmo
e você deveria dormir
acordar só para comer
dormir
mais que as paredes do quarto
suas melhores amigas
dormindo
esnobando o fim

são 4h48min que acordo de súbito
por causa de um imenso trovão
com susto e medo de morrer
arrepiado de tão vivo

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

há menos garrafas cheias

veja o que a sorte pode fazer com um homem
o estado de petrificação intestinal
a solidão em seu olhar

sol, desânimo e cansaço

e eles tentam conversar
falam sobre pseudo coisas
sobre semi assuntos
atrapalhados pela sombra do passado
objetos de uso da desconfiança

ninguém está bem
fingidores de si
contra a corrente da verdade

veja o que a sorte pode fazer com um homem
deixando seus sapatos cobertos de vômito
e um estranho segurando sua cabeça

que pesa mais do que nunca
que está grudada ao corpo mais do que nunca
mas as ações sobem
homens vivem dentro de seus helicópteros
comem bem
dormem bem
sonham como verdadeiros anjos
virarão estátuas nas praças
belos nomes de rua, bairro, associações para carentes, nomes de prêmios de paz

e nós aqui
na vida maçante
na rua que é pesada demais para andar
no céu que se desbota sobre nós
enquanto insetos invadem o nosso quarto

baratas e mais baratas

veja o que a sorte pode fazer com um homem
que sai a noite a procura de diversão
mas acaba sozinho na mesa de um bar
que acaba voltando sozinho pra casa
que fuma tudo o que tem
que bebe além do que consegue

e termina a noite só
começa o dia só

e mesmo tendo toda a sorte do mundo
mesmo estando mais ao lado da vida do que da morte
ele ainda assim
vive
triste