Textos, escolhas, cenas e ações. Eu deveria descrever o blog. Mas necessito de algo mais...
terça-feira, 30 de junho de 2015
Orelha direita
Eu lia a história do último homem na terra quando escutei os rompantes no corredor. Sem esperar nada, algo que aprendi ainda novo por falta de fé, abri a porta da sala. Não havia nada na altura dos olhos. Apenas uma batida que ia se afundando escadaria abaixo. Quando fui fechar a porta meu olhar se deslocou para o chão, juro que faço esse movimento simples por costume. Assim vi. De reflexo olhei para meu apartamento atrás de mim, jurei que o telefone havia tocado. Engano meu. Retornei o olhar ao chão do corredor abrindo mais a porta, como para ter espaço. Sei lá porque. O rastro de sangue vinha do final do corredor e seguia até as escadas. Andei um pouco, cuidei para não pisar naquele tapete vermelho, e com cuidado, dá pra acreditar?, olhei escada a baixo. Dois homens puxando um corpo ensacado. Entendam que eu moro no décimo andar, pago pouco por esse cubículo que chamo de apartamento, não há elevador nesse prédio-paleontológico. Pensei aqui: se eu matasse alguém e tivesse que esconder o corpo teria que fazer o mesmo, se eu visse alguém sangrando teria que fazer o mesmo, se eu tivesse sangrando e em estado de choque sem pensar no que fazer desceria essas escadas quase do mesmo jeito. Mas o que me interrogava, no segundo momento, é porque eles não carregavam o corpo, mas sim o puxavam escada a baixo pelos pés, a cabeça pendente batendo em cada degrau. Uma batida seca. A cabeça humana pesa bastante, isso eu já sabia. Descendo tantos degraus, não muitos andares, você se acostuma a subir por longos meses, mas a quantidade de degraus faria o rosto do corpo se quebrar inteiro, fazendo o nariz sumir, o maxilar se romper, os dentes se desfileirarem, os olhos não aguentariam a hemorragia, se estivesse de costas o cérebro logo iria aparecer, fazendo com que o tapete vermelho de sangue ficasse com detalhes roxos em auto-relevo, a espécie de tiro mortal de presidente norte-americano. Todos já viram aquele vídeo. Todos já viram qualquer vídeo catastrófico de imbecilidade humana. Da crueldade que podemos chegar. Até mesmo o livro que lia, antes de tudo isso, que não era lá tanta coisa em si, afirmava que mesmo o homem sendo um ser social, sozinho na terra, poderia causar tantos danos como em grupo. Ficção. Aquilo no meu corredor parecia ficção também. Foi quando escorreguei no sangue sem querer. Fazendo barulho ao tentar me segurar no corrimão da escada. Soltei alguma onomatopeia ridícula e espontânea. Pensei que havia sido baixo o som, mas não. O barulho da cabeça descendo os degraus parou. O barulho de pernas sendo jogadas no chão se fez presente. Olhei para baixo e vi os dois homens olhando para cima. Correram subindo as escadas de imediato. Vinham em minha direção. Minhas pernas grudaram no chão, minhas mãos soldaram-se no corrimão de ferro-ferruginoso e meus olhos fixaram-se secos naqueles topos de cabeça que subiam os degraus correndo. Elas pararam uma hora. Uma cabeça voltou para baixo, em direção a portaria, onde o corpo ensacado estava. A outra cabeça virou em minha direção. Vi o rosto e levei um choque; um homem narigudo de maxilar quadrado, lembrava personagem daquele filme em preto e branco onde sempre que ele aparecia alguém morria. Mascava aquele rosto alguma coisa, meu defeito sempre foi perceber pequenos detalhes e se esquecer do geral. Enquanto pensava no que ele tinha na boca escutei de fundo, mas num som quase ensurdecedor pelo eco das escadarias, um zunido terrível. Ele me acompanhou durante um bom tempo. Levei de imediato, como que se não houvesse razão para aquilo, a mão até a orelha direita. As pessoas sempre dizem que somos animais irracionais, mas quando que um gato faz algo que não tenha um porque? Doía minha orelha. A mão tremia em sangue. Ou a minha cabeça tremia em sangue. O som que se fez então era de minha cabeça batendo degraus abaixo. Percebia o olhar relapso. Finalmente entedia certas coisas que lia. Estava eu caído a uns bons degraus a baixo. Lembro do homem aparecer na minha frente e cuspindo algo no chão antes de me bater com a arma no rosto. De recordação, antes de dormir, consegui ver um pedaço da minha orelha direita em um degrau qualquer, mas acredito que não era aquilo que o homem mascava.
sexta-feira, 26 de junho de 2015
Sobre Nebulosa
prólogo
todos os filmes são os mesmos utilizam-se as mesmas fitas antigas empoeiradas que esperam uma mínima faísca para queimar o cinema queimar a televisão a casa o resto do que eu espero e não realizo e a menina diz no nó de minha orelha entre aqueles fungos que cultivo que todos um dia irão aprender algo que eu não levarei nem três vidas para supor enquanto tomo outra coisa qualquer entrincheirado nos campos de velhos desejos eu me matarei quando houver outra sexta como esta me matarei novamente quando souber quando a memória não falhar quando calcular ao certo ou supor por acaso que estou atrasado que estou sob uma marquise iluminado pelas luzes falsas exibindo em grande vermelho que assalta a escuridão o seguinte letreiro fechado fechado piscando para chamar atenção aos poucos cuidadosos de sua vida onde eu não me enquadro não mesmo sou este aquele um dos outros dois três dez entre milhões de tantas línguas diferentes mas que tem em comum essas mãos cruzadas nas costas o olhar pensativo na árvore iluminada ali na esquina alaranjada na noite e amarelada ao dia que todos cruzam sem saber seu nome sem saber como ainda esta viva e quantos anos tem eu sou como aquela árvore no mar do tanto-faz-como-tanto-fez que os outros a afogam que me embebedam nunca deu pé para mim nessa vida e acredito que nas outras eu nunca tive outra opção
prólogo inventado
saíram aos bandos unidos por um corpo fora do corpo normal além de suas penas acima das nuvens de todos os territórios resplandecendo a desnecessidade de uma nacionalidade ideologia ou nome se quer eles os belos pássaros dançando naquele velho tom de oboé entre pequenas mãos acariciando o ar na frente de uma mesa verde que um sábio designa as notas em que eles dançam voam na solidão que lhes é necessária do plano de voo de vida que segue afrontando as estrelas o menor dos galhos ou dos insetos subterrestres escondidos como todas as carcaças humanas lá embaixo que se protegem da menor das chuvas do menor sinal de falha conjunta da folha em branco do olhar que se desvia e da promessa de fim de dia e recomeço de mais um dia inútil os bandos de pássaros estão além dessas e outras vicissitudes humanas dessas suas surpreendências tão maquinais tão sistemáticas tão repletas de eternas reprises de si mesmas eles voam os pássaros enquanto os homens patinam no mesmo lugar desde sempre mirando qualquer arma qualquer pedra para qualquer pássaro idiota que cruze o seu olhar
1
o braço palpita tranca o ombro peito
o sol nasce na soleira da janela de metal
o veículo segue rangendo de dor
o tremor do lábio em pelos ruivos
eu sou aquele sentado
o incompreendido
mas quem seria diferente
aquele dali aquelas duas
em ponteiros adequadamente programados
representando uma época
remota
uma época remota de um país distante
de uma pessoa distante
um ausente em carne e álcool
perdendo para si mesmo
no tremor palpitante morto adormecido
de um órgão em medo
2
Aguardo o chamado enquanto olho as paredes
manchadas de novos medos
eu vou tentando
mudando os trajetos
contornando estrelas numa noite fria
pisando firme no seu pescoço
e descendo com as palmas úmidas
até as palmas úmidas
lançando uma flecha vermelha em pleno ar
todos os filmes são os mesmos utilizam-se as mesmas fitas antigas empoeiradas que esperam uma mínima faísca para queimar o cinema queimar a televisão a casa o resto do que eu espero e não realizo e a menina diz no nó de minha orelha entre aqueles fungos que cultivo que todos um dia irão aprender algo que eu não levarei nem três vidas para supor enquanto tomo outra coisa qualquer entrincheirado nos campos de velhos desejos eu me matarei quando houver outra sexta como esta me matarei novamente quando souber quando a memória não falhar quando calcular ao certo ou supor por acaso que estou atrasado que estou sob uma marquise iluminado pelas luzes falsas exibindo em grande vermelho que assalta a escuridão o seguinte letreiro fechado fechado piscando para chamar atenção aos poucos cuidadosos de sua vida onde eu não me enquadro não mesmo sou este aquele um dos outros dois três dez entre milhões de tantas línguas diferentes mas que tem em comum essas mãos cruzadas nas costas o olhar pensativo na árvore iluminada ali na esquina alaranjada na noite e amarelada ao dia que todos cruzam sem saber seu nome sem saber como ainda esta viva e quantos anos tem eu sou como aquela árvore no mar do tanto-faz-como-tanto-fez que os outros a afogam que me embebedam nunca deu pé para mim nessa vida e acredito que nas outras eu nunca tive outra opção
prólogo inventado
saíram aos bandos unidos por um corpo fora do corpo normal além de suas penas acima das nuvens de todos os territórios resplandecendo a desnecessidade de uma nacionalidade ideologia ou nome se quer eles os belos pássaros dançando naquele velho tom de oboé entre pequenas mãos acariciando o ar na frente de uma mesa verde que um sábio designa as notas em que eles dançam voam na solidão que lhes é necessária do plano de voo de vida que segue afrontando as estrelas o menor dos galhos ou dos insetos subterrestres escondidos como todas as carcaças humanas lá embaixo que se protegem da menor das chuvas do menor sinal de falha conjunta da folha em branco do olhar que se desvia e da promessa de fim de dia e recomeço de mais um dia inútil os bandos de pássaros estão além dessas e outras vicissitudes humanas dessas suas surpreendências tão maquinais tão sistemáticas tão repletas de eternas reprises de si mesmas eles voam os pássaros enquanto os homens patinam no mesmo lugar desde sempre mirando qualquer arma qualquer pedra para qualquer pássaro idiota que cruze o seu olhar
1
o braço palpita tranca o ombro peito
o sol nasce na soleira da janela de metal
o veículo segue rangendo de dor
o tremor do lábio em pelos ruivos
eu sou aquele sentado
o incompreendido
mas quem seria diferente
aquele dali aquelas duas
em ponteiros adequadamente programados
representando uma época
remota
uma época remota de um país distante
de uma pessoa distante
um ausente em carne e álcool
perdendo para si mesmo
no tremor palpitante morto adormecido
de um órgão em medo
2
Aguardo o chamado enquanto olho as paredes
manchadas de novos medos
eu vou tentando
mudando os trajetos
contornando estrelas numa noite fria
pisando firme no seu pescoço
e descendo com as palmas úmidas
até as palmas úmidas
lançando uma flecha vermelha em pleno ar
terça-feira, 16 de junho de 2015
sobre uma mesa-mirante
estamos numa outra mesa-mirante
com o vinho apontado para dentro de nós
saí do mar de cães e ele de um jardim de cerejeiras
no decorrer de tudo
o passado em cinza, meu, virava um quadro inimaginável
olhávamos aquela exposição mantendo humor
afinal sempre há um tempo para isso
tentar entender a dança fria dos dedos das Moiras
madrugada a dentro os dedos se trocaram
pintávamos o espaço a volta
planejando as esculturas de nossa própria vida
levei um tempo para entender que só eu
somente eu
posso, a partir de meus escombros,
esculpir a galeria de minha vida
era isso que os olhares dele revelavam
seu exército de estátuas
que não estavam armadas para meu pequeno e ingênuo ateliê
mas de braços abertos e olhos atentos
tentando aprender mais uma nova canção
estamos numa outra mesa-mirante
cruzando a grande metrópole
uma supernova explodindo em meu universo
e de novo uma dessas surpreendências da vida
confirmando que qualquer caminho não se faz só
mesmo que a mesa-mirante flutue
mar a dentro
ou noite a fora
com o vinho apontado para dentro de nós
saí do mar de cães e ele de um jardim de cerejeiras
no decorrer de tudo
o passado em cinza, meu, virava um quadro inimaginável
olhávamos aquela exposição mantendo humor
afinal sempre há um tempo para isso
tentar entender a dança fria dos dedos das Moiras
madrugada a dentro os dedos se trocaram
pintávamos o espaço a volta
planejando as esculturas de nossa própria vida
levei um tempo para entender que só eu
somente eu
posso, a partir de meus escombros,
esculpir a galeria de minha vida
era isso que os olhares dele revelavam
seu exército de estátuas
que não estavam armadas para meu pequeno e ingênuo ateliê
mas de braços abertos e olhos atentos
tentando aprender mais uma nova canção
estamos numa outra mesa-mirante
cruzando a grande metrópole
uma supernova explodindo em meu universo
e de novo uma dessas surpreendências da vida
confirmando que qualquer caminho não se faz só
mesmo que a mesa-mirante flutue
mar a dentro
ou noite a fora
segunda-feira, 1 de junho de 2015
desconstrução poética
invadiram a minha casa
não
assim eu não posso começar
invadiram a casa ao lado
errado
sou marionete de mim mesmo
como narrar algo que saia de minhas palavras
que saia do que já havia previsto
teria, tenho, terei um dia um corpo
um lugar, firme como o chão vermelho da cidade
um espaço físico para ser
mas não posso
não sou
recomeçarei pelo desejo
deve haver algo ali
com um bilhete nas mãos espero o trem
isso já foi dito
de outra maneira
de maneria melhor
fracasso de novo
ensaio para um novo fracasso
desconstruindo-me em palavras
atrás de um começo digno
uma morte real que me deixe além das palavras
achando, cavando, desmembrando qualquer início
qualquer tentativa
como se eu fosse um alpinista em rumo ao topo
mas não há topo
estou preso numa colina cujo cume é um enorme campo
cortado
não há nada ali
nem em outro lugar
não estou me movendo
nem preciso ficar parado
não há corpo para isso
mas onde estou
quem sou ou o que gostaria de ser se tivesse uma opção
repetição pura
não há nada de novo
invadiram uma estação de trem
descarrilharam todos os trens que chegavam
fazendo uma pilha de metal diante do guichê de partidas
as pessoas estavam paradas aos montes
eu com a cabeça, invento um corpo para isso, encostada ao peito
os braços pendentes ao longo do tronco curvado
semblante de dor
a pilha de metal serviu para aquecer a noite
noite
soa falso
soa como sempre foi escutado a palavra noite
mas não é noite que quero dizer
mas tenho que dizer noite
não sei como começar
diante de tantos prólogos universais
e não sendo dono desse princípio
não direi que será fácil
tendo então inventado o tempo
achar assim um fim
não
assim eu não posso começar
invadiram a casa ao lado
errado
sou marionete de mim mesmo
como narrar algo que saia de minhas palavras
que saia do que já havia previsto
teria, tenho, terei um dia um corpo
um lugar, firme como o chão vermelho da cidade
um espaço físico para ser
mas não posso
não sou
recomeçarei pelo desejo
deve haver algo ali
com um bilhete nas mãos espero o trem
isso já foi dito
de outra maneira
de maneria melhor
fracasso de novo
ensaio para um novo fracasso
desconstruindo-me em palavras
atrás de um começo digno
uma morte real que me deixe além das palavras
achando, cavando, desmembrando qualquer início
qualquer tentativa
como se eu fosse um alpinista em rumo ao topo
mas não há topo
estou preso numa colina cujo cume é um enorme campo
cortado
não há nada ali
nem em outro lugar
não estou me movendo
nem preciso ficar parado
não há corpo para isso
mas onde estou
quem sou ou o que gostaria de ser se tivesse uma opção
repetição pura
não há nada de novo
invadiram uma estação de trem
descarrilharam todos os trens que chegavam
fazendo uma pilha de metal diante do guichê de partidas
as pessoas estavam paradas aos montes
eu com a cabeça, invento um corpo para isso, encostada ao peito
os braços pendentes ao longo do tronco curvado
semblante de dor
a pilha de metal serviu para aquecer a noite
noite
soa falso
soa como sempre foi escutado a palavra noite
mas não é noite que quero dizer
mas tenho que dizer noite
não sei como começar
diante de tantos prólogos universais
e não sendo dono desse princípio
não direi que será fácil
tendo então inventado o tempo
achar assim um fim
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