Hoje fiquei surpreso ao ver o noticiário pela manhã. Uma família, em alguma cidade da grande São Paulo, foi encontrada morta em sua casa. Sem sinais de violência aparente. O pai estava na cama abraçado a sua filha de 3 anos e ao seu filho de 5. A mulher, mãe das crianças, estava deitada no beliche ao lado cama onde seus familiares foram encontrados. Os policiais não sabiam dizer como a família morreu, mas que tudo indicava que era venenamento. Os vizinhos diziam que eles saiam pela manhã e voltavam a noite. Todos os dias. Disseram também que era uma família muito quieta, que não interagia muito com os vizinhos. A última vez que foram vistos foi na sexta-feira a noite. O que me chamou a atenção foi o bilhete escrito pelo pai, com lápis de cor, encontrado na cozinha: "Não consegui cuidar de meus filhos!"
Para quem já leu "Quando as Máquinas Param" de Plínio Marcos, ou melhor, para quem já trabalhou com este texto e com a atmosfera desta peça, pode ter uma certa noção do que estou pensando. A minha atenção foi acionada primeiro pelo fato de como é mostrada as nossas redes de informação. Olhar o jornal é sentir o jogo econômico que tudo se tornou: te vendem comida, roupas, carros, casas, filmes usando como isca o sexo-pornográfico-fantasioso-pscicótico; os filmes norte-americanos atravessam as notícias numa propaganda e outra, ou simplesmente trocando de canal; as estatísticas de mortes, assaltos, roubos, desvios de dinheiro, acidentes de carros, engarrafamentos, só aumentam enquanto que a economia brasileira cresce e "está favorável para investimentos", e haja fila nos postos, balelas dos presidentes, e... e... por aí vai. Soube hoje que Haroldo de Campos falou: "Políticos? É fácil entendê-los, pois não são humanos. São cavalos que falam!" Está certo!
Hoje fui a um grande atacado aqui em Pelotas. Eram muitas pessoas lá dentro numa noite de segunda-feira. Muitas pessoas gordas se arrastando, empurrando seus enormes carrinhos repletos de doces e carboidratos. E elas comiam! Compravam e comiam ali mesmo. Se empurravam, se batiam, se encaravam, enchiam mais ainda seus carrinhos, enchiam mais ainda suas barrigas. Eu conseguia ver os produtos todos com pedaços de carne de pessoas que explodiram ali mesmo de tanto comer e de tanta angústia acumulada. A visão do inferno se completava na fila para pagar. Inútil Paisagem. Será que alguém percebia aquela quantidade de gente de cara sofrida, em uma outra fila para pagar outra coisa, gordos e gordas, pobres e cansados, endividados e tristes? Imaginei, como uma forma de brincadeira pessoal e sumir dali de alguma forma, que quando morrermos iremos parar numa fila de supermercado, com menos pessoas é claro, e passaremos no caixa. Alguém, com um carma pior do que o meu, passará uma máquina em mim e mostrará na tela tudo o que eu fiz e não fiz. Ela virará para mim e perguntará: "Como queres pagar?"
Voltando a notícia. Me surpreendeu o fato de que a MUVUCA do G20 ter chamado mais atenção que a história deste pai de família brasileiro. O que se passou na cabeça deste homem? Ele simplesmente envenenou toda a família. Não foi Medéia que matou-se e as crianças. Não foi só isso! Foi ele, a mulher e as crianças. O noticiário disse que haviam cortado a luz da casa deles a um mês. Outros dizem que eles passavam por uma crise financeira muito séria. Mas quem não passa? Enquanto os números da Petrobras crescem, enquanto nos tornamos a 6ª economia do mundo, enquanto o dólar cai pelo sexto dia seguido e no senado os políticos tiram os sapatos e brincam com seus dedões entre um cancelamento de voto de projeto e outro, inúmeras pessoas no Brasil se submetem a trabalhos ou pré-trabalhos para poder sobreviver.
"Não consegui cuidar de meus filhos!" é um grito silencioso no meio da bolsa de valores de São Paulo. Não vale nada! A degradação do homem é gigantesca! O mundo está se dopando e engordando. A maioria das pessoas saíram de uma peça do Beckett. As poucas pessoas que tomam consciência da merda que é essa condição de vida que a maioria leva escrevem "Não consegui cuidar de meus filhos!" ou "Não consigo arrumar um emprego que gosto!" ou "Sou professor, mas me tratam como um saco de lixo feito para bater!" ou "Minha mulher é frígida!" ou "Essa geração perdeu toda a imaginação!" ou... ou... Tudo acaba na máxima de "O que hei de fazer?" Qualquer coisa que você colocar aí funciona. Dá vontade de ser cego para não ver tanta merda. Ou de ser surdo para não escutar tanta babaquice. Ou ser mudo e não falar mais bosta ainda. Ou ser paralítico e não conseguir ir até o McDonalds engordar.
Essa família que se suicidou antes mesmo da sexta-feira passada, deve ter tido momentos tristes e difíceis. Muitos estão cagando para eles, o que tem a sua razão, porém hoje, no humor que estou, dei atenção sim. Esse cara teve peito suficiente para se revoltar contra esse jogo cruel que virou nossa semi-vida. Ele poderia ter matado alguém, mas ele não fez isso. Ele se prostituiria se fizesse isso, se tornaria os cachorros, ou melhor, nestes cavalos que fazem isso não só com ele, mas com milhões de brasileiros. No meio de tudo isso que esse país se tornou, a atitude dessa família foi um tapa contra todos. Como bons revoltados não receberam louros, não mudaram a vida da humanidade. Fizeram uma batalha no silêncio e tomaram uma decisão que talvez muitos já tomaram. O que passou na cabeça daquele homem? Não porque ele se matou. Isso é óbvio, há inúmeras respostas para isso e todas com suas razões admissíveis. É mais fácil achar mil motivos para morrer do que um para viver. Digo o que se passou na sua cabeça no ato: na hora de botar o veneno na comida, ou no leite, suco, sei lá. E na hora de todos ingerirem o veneno, o que passou quando ele fez isso com seus dois filhos? A sua mulher? E ele?
Isso não sai da minha cabeça.
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