caiu sobre a minha mesa um pedaço de mar verde
refaço o trajeto e percebo que a mesa está num lugar que não conheço
não defino como sendo meu
defino depois de um tempo suspenso em silêncio
que estou numa crônica de uma casa sem chão
boiando sobre o continente
tendo riscado as praias inteiras
e quando largo meu lápis que não escreve mais
que precisa ser afiado mais do que apontado
percebo que jaz um choro miúdo do que seria o meu vizinho
que largado no canto de sua sala escuta trompetas que anunciam a próxima tempestade
os raios se fazem no canto de minha mesa
transformam meu caderno num mar revoltado
remoendo em redemoinhos rebanhos imensos de restos
de raciocínios de perigos de destinos de inimigos de abrigos de gritos
de umbigos femininos de cheiro de sexo que sai da maçaneta de meu quarto
de memórias baixas de solilóquios ausentes de números de datas
de métricas de tetas de fétidas de bestas de regras de peixes
sim eu digo sim para acreditar
que de minha mesa se criou uma tempestade vinda do choro
desse tempo choro que o vizinho urra diante do continente
que passa abaixo do encanamento do banheiro
e que faz meu caderno se tornar esse revoltado barco
sendo coberto por inúmeros peixes
em azul vermelho verde café damasco areia das arábias
solares do norte laranja negro melancolia sangue
se faz aqui em música dentro de meus dedos
que assoviam palavras entre o corte de meu lápis
e o assombro de meus olhos cujo lugar de morada deles
meu antigo imaginário do que seria meu rosto
está salgado de ondas em musgo que cresce na beira da minha boca
e me faz secar por inteiro diante da morte da palavra sol
Nenhum comentário:
Postar um comentário