cansei, pequena, cansei dos restos todos
do acúmulo de sacolas plásticas
de poeira sebosa no chão
da umidade que me impregna
de futuros na prateleira
cansei, pequena, cansei de mim mesmo
peguei as sacolas e comecei a guardar outras coisas
de início coloquei a chuva numa delas
abriu o sol de súbito
coloquei um pouco de esperança no outro
fez-se outra coisa então
cansei, pequena, cansei até de meu silêncio
troquei meus versos de pelada futebolística
por juras verdadeiras de amor a tua coragem presencial
por notas de oboé acima do vão existencial
acima do além do acima
como aqueles acrobatas sexuais
cansei, pequena, de dialogar com o Nada
tendo em memória e tatuado no ventre
a nossa dança de mil amores
sussurrado por astros poderosos
não o sacro, mas o sacro e volúpia
não o mar, mas o veleiro duplo entre as ondas do mar
cansei, pequena, de morrer no verde
como estátuas no porto da felicidade
isso não existe
vamos, pequena, no mesmo bar de sempre
não discutir
não olhar o mundo a volta
não reescrever
nem mesmo fazer plano algum
vamos, pequena, brindar um belo copo de cerveja
velejar nas margens de concreto e de grades enferrujadas
desviar de mendigos e de pombas mortas
como dois deuses antigos
acima dessa podre e brocha realidade
vamos, pequena, acima do tropicalismo
do temperado, do sub-mundo
alojando-nos no quarto mundo, que seja
que eu sei? numa queda infinita que seja
que seja
que seja qualquer absurdo
mas vamos
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