terça-feira, 2 de setembro de 2014

Em busca de um ser fleumático - o cão

Um escritor existencialista entra no filme e vira o personagem principal. Decadente pensar no Sartre numa dessas situações: transando com uma moça novinha, de pele branca e que quer ser modelo enquanto fuma maconha e canta qualquer coisa em inglês que ninguém entende. Esperta pelos seios. Concordo que são bonitos. Mas repulsivo. Nunca tem gente de verdade trepando na televisão. Talvez a audiência de corpos desconexos não chame a atenção. Um homem barrigudo e peludo, banhado em canha, sem dente, pele cinza de cigarro, no auge de seus cento e poucos quilos prensa sua namorada, de passados cinquenta anos como ele, no tanque de lavar a roupa. Camadas de gorduram se enlaçam como dedos na névoa. Peles não brancas, não negras, embolotadas de gordura, de cansaço, se amam. Suor de texturas descendo pele abaixo. Os pássaros todos cantam. Há espumas de sabão na mão, espumas de amor na boca, espuma de sexo no sexo. O cheiro da coisa toma o ar! Ela na ponta dos pés se contorce enquanto ele a chama de gorda gostosa. Ele a aperta com aqueles dedos cascudos, repletos de fendas e amarelados, escuta o murmúrio baixinho dela: filha da puta! Mas é carinhoso o que dizem entre si. 
Volto ao filme. Faz uma meia hora que não vejo. Já procurei um vinho para beber umas três vezes. O céu bebeu a terra hoje por sinal. Escritor de filme sempre tem a barba pro fazer e sempre bebe num bar medonho. Qualquer escritor de filme chuparia o Rubem Alves. Eu já ouvi isso de um filme aliás. Não tem vinho aqui. Eu queria voltar há um princípio. Numa noite tal. Numa em que eu não ficava pensando tudo em forma de conto. Narrador de mim mesmo. Me pergunto: quem sou enquanto escrevo? Pra seguir eu escrevo. Muito de mim sobra. Ando deslizando pelo mundo. Por entre as pessoas. Cada esquina dessa cidade eu vejo um cordal umbilical se formando. Tenho mais de mil umbigos e não tenho cidade mãe. Escritor de filme fica pelado, mas seu pau nunca aparece. Apenas a mulher fica pelada por inteiro. Corpo jovem. A juventude é cara na minha opinião. Mentirosa por um lado e pelo outro suscita a quatro canto toda a história ali. Nem sei. Não confio em jovens. Nem me estigmatismo em qualquer tribo. Nem das alfaces nem do personagem escroto do filme que bebe whisky. Todo escritor de filme bebe cerveja em bar medíocre e whisky barato em casa, numa cadeira fudida, numa sala fudida, em algum bairro fudido. O que eu queria agora? Empinar uma pipa na rua, fumando um cigarro e vendo um moleque correndo atrás de um cão. Em plena noite. Bebendo uma lata. Coçando a barriga e vendo a sujeira no chinelo marcado no peito do pé. Mentira. Queria sair de mim. 

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