sábado, 28 de março de 2015

réquiem para um sábado taciturno

andarilho dos asfaltos noturnos segue sem resquício de Panacéia
um Zé Ninguém
um Exú imperial do Lugar Nenhum, quer dizer, da Polônia, do Brasil
recheado de fome, babando em fome de tudo aquilo que se derrama nas brechas de suas mãos

de todos os seus lados segue o silêncio primordial
e qualquer teoria para ele é balela
é anúncio pobre de algum programa sensacionalista de fim de tarde
e a matemática é superficial, as teorias da física, da química, de qualquer projeto racional é nada
uma mera rima de um toque de telefone em plena madrugada

do outro lado da linha uma voz cansada
cujo juízo se resplandece de uma insônia incurável diante da grande e eterna pergunta:
"o que hei de fazer?" "por favor, o que hei de fazer?"
e o andarilho ri como um velho fantasma que colhe velhas flores de um jardim já esquecido

a memória de seus melhores momentos!
tudo se relaciona para ele com esses lapsos de acaso onde todo o seu ser se resumiu ali
ele se apega a essa rainha do tempo, glória de sua miserável existência, para não mais tratar seu espírito como ídolo único

as vitórias dessa vida são desestimulantes
o que é vencer depois que se nasce nesse lugar que não passa de uma ponte entre o ventre e o túmulo?
isso não é novo, qualquer idiota sabe disso, mas não são todos que sabem de sua verdade
e o andarilho segue a viagem tentando voltar a um daqueles lugares que se prende
quer retornar ao velho rio onde um mar de vaga-lumes o cobre
onde se faz um céu em plena terra
e como uma velha criança ele tentará com um simples pote de vidro
caçar um desses vaga-lumes
sem dar pé sempre
- ele está acostumado a isso, ele vê as pessoas na rua com água até o pescoço, isso a milênios! -
ele cata o vazio escuro em busca de uma mísera prova de que ainda poderá se tornar um belo revoltado

entre a fumaça que sai de suas mãos
consciente de que seu mal é direcionado apenas para si
se direciona para sua missa semanal
diante do palácio, maior que qualquer coluna grega remanescente, uma bela dose de conhaque barato
no banheiro o mijo alaranjado de quem não come nada de verdade a dias
sua existência é comprovada
sua podridão, sua ausência de gotícula, a menor possível que seja, de deus em si
é comprovada

com uma faca, banhada em amor, com aqueles ridículos amores que todos estão acostumados a cultivar,
ele apunhala o peito diante daquela pequena pia suja
com os pés em banho maria em merda e mijo humano
retira daquela caixa óssea sua alma
"mas como pegá-la?'"ela existe?"
e como símbolo concreto pega seu coração

o sangue derrama, corre em passos solitários, numa dança sombria
até o rio pincelado de vaga-lumes
e sai pelo bar, que agora é um bar com rostos tristes e preocupados
sua pele é funda
seus olhos não veem nada que esteja perto ou longe

e mesmo para aqueles que não esperam mais nada
que não limpam suas próprias casas de pele e osso
para todos que dizem que tudo está perdido
"diante da grande Lua dos pobres" inalterada
que o faz lembrar ainda daqueles olhos castanhos
[daquele sorriso infantil na respiração suspensa
dos pequenos traços em contorno aos doces lábios
de uma beleza que o levou sempre a morte]
e selando um beijo com outra mulher
um beijo que o aliviará um pouco mais

e olhará mais uma vez para aquele mar de bêbados
de felizes por ilusão
"vejam todos! eles estão sozinhos!"

e ele oferecerá seu coração
sem saber o nome de ninguém
sem rever qualquer um

e se sentará na mesa sozinho
como faria em sua casa
ao lado da morte
sua fiel namorada
que dirá "está tarde"

e partirá

partirá para todo o sempre




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