Textos, escolhas, cenas e ações. Eu deveria descrever o blog. Mas necessito de algo mais...
segunda-feira, 19 de novembro de 2012
Professor Ricardo - parte 03
A criança me atirou um graveto e saiu correndo. "Eu sou uma berinjela!" Ela gritou enquanto corria pelo jardim do hospital. Para mim é sempre estranho o comportamento de uma criança pela semelhança que tem com o dos animais. Mas isso não é importante. Passei pela recepção e perguntei pela minha irmã. Naquele momento não aconteceu nada de interessante. Tirando a pilha de papéis que havia na mesa da recepcionista. Estava uma bagunça. A imagem de como poderia ser a casa dela me atravessou a minha mente causando náusea e uma certa irritabilidade. Mas o que isso tem de interessante? Fiz uma pausa e tomei um café. Lembrei da menina-berinjela e fui em direção ao quarto de minha irmã-quase-suicida. Pensar nisso me dava raiva e me deixava claro que eu continuava ligado a ela. Servimos a quem em nossos atos familiares? Isso me dava acesso de riso em outros tempos.
Quando entrei naquele quarto verde, que cheirava a vômito, minha irmã estava olhando a rua pela janela. A cama estava perto da parede e havia flores no vaso. Uma enfermeira lia uma revista qualquer, olhou alguma coisa no soro, me sorriu e saiu. Ela deveria ficar. Ela era bonita. Na saída imaginei ela nua. Eu nunca tinha esses pensamentos tão comuns para homens. Mas tinha. Era um dia feliz para mim. Era um professor concursado. Mas tinha perdido minha festa pessoal de comemoração porque minha irmã havia tentado o suicídio e agora eu estava no quarto dela para sei lá o que. Compromissos.
- Que bom que você veio.
A voz dela quase não saiu. Engasgada de remorso talvez. Mas isso não é importante.
- Oi, Paula.
- Oi, Ricardo. Não sei como... Disseram que... Você não...
- Não contei pra ninguém. Assim que avisaram vim para cá.
- Que bom! Acho que já sei o que vou fazer nas férias. Nadar!
Olhei para os pulsos dela naquele momento. Estavam extremamente... Ela iria morrer afogada se nadasse naquele momento. Seria pelo menos um fim mais rápido.
- E mamãe? Como ela está, Ricardo?
Aí me deu náusea mesmo.
Ensaio para um Fiasco - 2
domingo, 18 de novembro de 2012
Ensaio para um Fiasco - 1
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Professor Ricardo - parte 02
Quero
Nas minhas mãos
Como cabelos negros
Mania deliciosa
Sem mentira
Eu quero você sonhando
Noite de Luas
Como criança na praia
Perdida em meu território
Como Cigana
Eu quero saber hoje
Como Sol
Nostalgia
Dessas coisas de amar
Sobre você
Sobre mim
Pois preciso que diga
Pode ser de uma forma só
A mais simples
Com a sua cor
O que queres de mim
De algum personagem perdido
- Como você esta?
- Você tem um cigarro?
Ela me deu um cigarro. Eu nunca fumei, mas sabia como fazer. Não tossi, não achei o gosto ruim e pensei nas pessoas que sentem angustias profundas.
- Você se desligou num momento. O que você tem?
- Já transasse com a janela aberta? Uma vez transei no quarto andar...
Desse modo a rua é vista. Você vê as pessoas andando, correndo, carros peidando, poste piscando, gatos nos telhados vigilando, homens de rua andando em linhas tortas, etc. E você percebe que está transado. Como se fosse duas moscas fudendo na mesa da cozinha, do lado dos restos do bolo ou coisa assim. Mero joguete. Nesse ponto você perde a respiração e fica meio entediado ou enjoado.
- ... você segue porque tem que seguir. Pensar nisso da fome e sono.
- Idiota.
- É uma forma de pensar.
E ali me apoiei. Na parede fria. Meus pêlos da barriga estavam molhados e o umbigo sujo. Eu precisava limpar ele. Não limpei. Estava entediado e gostando da ideia. Quem mais estava?
domingo, 30 de setembro de 2012
Professor Ricardo - parte I
- Alô. Senhor Ricardo?
- É este mesmo. Quem fala?
- Aqui quem fala é Renata da Santa Casa. Estou telefonando pois sua irmã Paula, acaba de dar a entrada no hospital.
O diálogo com a moça seguiu. Fiquei irritado no primeiro momento. Se o atendimento não foste tão horrível naquela cafeteria, eu já teria acabado a torta e recebido o telefonema na rua. Mas não. Justamente no começo da torta me ligaram. Eu deveria me apressar? Ou acabar a torta? Estava uma delícia. A mistura de chocolate com maracujá sempre me agradou. Trufa de maracujá é algo delicioso. Mas já não podia comer em paz a minha torta. Eu deveria andar ir para o hospital. Minha irmã tentou se matar. Não sei quantas consequências esse ato que ela teve vai resultar. O primeiro: estragar o gosto da minha torta, o gosto de minha vitória pessoal. Sai bem devagar da cafeteria. Chovia. Eu andava perto das paredes dos prédios para não me molhar. Havia muitas pessoas fazendo o mesmo. Cada vez que me aproximava do hospital, mais me irritava.
terça-feira, 12 de junho de 2012
Correnteza
terça-feira, 5 de junho de 2012
Sombra
O que fazemos é manter a respiração em dia. O sangue limpo. Ingerir a quantidade certa de fibras para poder cagar em paz. Tomar água. E depois? E antes? Antes é pior.
Aquilo que sou é uma sombra. Sombra de algo que não sei o que é, mas acredito ser muito mais escuro do que aparento ser. Essa escuridão está relacionada a ausência de luz nos olhos da razão. A razão é um verme instalado, com residência fixa, tv a cabo e tudo, dentro de nossos cérebros. Essa massa roxa que pesa não sei quantos quilos e que não consegue descansar um só segundo em tudo isso chamado de vida.
Essa descontinuidade às vezes me perturba de tal maneira que às vezes penso em dar um fim à esse fio de vida que me segura aqui diante desse nada. Às vezes, quando ando na rua, olho mendigos, crackeiros, idosos, decrépitos, pessoas obesas, pessoas com anomalias, todas as pessoas no final, e tento imaginar o que eles pensam. Me entristece esse exercício solo. Porém, há um certo prazer escondido nisto. Brincar de máscaras podres. Máscaras perdidas. Máscaras de dor. Muitos pensam: "Que dor é essa? Como chegarei até lá? Tomara que passe!" Ela não chega e nada passa. Outras: "Porque eu não acabo com isso de uma vez?" O suicídio é maravilhoso. O suicídio é uma corda onde as duas pontas - coragem e covardia - estão amarradas no mesmo nó que é enrolado no pescoço. Eu sigo jogando apenas.
Junho
A mãe chora.
O cachorro come qualquer animal que tenha ânus.
Haverá sempre um pobre para plantar as batatas de um rico.
Delete, a palavra mais usada e menos compreendida do século 21.
Mantenha as crianças longe dos produtos de limpeza.
Oswald de Andrade cagando num livro do Bukowski.
Agite antes de beber.
Válvulas.
Não reutilize uma camisinha.
Cuspa caso necessite de lubrificante para o ato sexual.
As flores eram bonitas até o Século 19.
O mais próximo de humanidade que já chegamos foi quando comemos o Bispo Sardinha.
Não reutilize uma camisinha.
Casas carregadas pelo enchentes.
A água que corre pela fresta da mão.
quinta-feira, 3 de maio de 2012
Colar de pérolas
Cortei minhas unhas dos pés. Para minha surpresa as unhas do pé direito estavam maiores que as unhas do pé esquerdo. E eu sempre corto as unhas dos dois pés no mesmo dia. Na mesma hora. Sempre. Desde que me lembro de fazer essa ação tão minha. Faço esse tipo de coisa relacionada a higiene. Penso bobagens também , como tudo isso que falei no suposto primeiro parágrafo. Pra mim é necessário. Vivo sempre em bagunça mental. Azucrinado. Pestiado.
Senhor de idade ali na mesa, diz mentalmente que ele necessita escrever. Que é preciso escrever para não acabar com o fio da vida. Isso me agrada. Ele me convenceu, mas ele nem sabe disso. E nem sabe do que está falando também. Porém isso me lembra de uma história: alguém citando uma pessoa que falava de outra, dizia que o que faz o colar de pérolas não são as pérolas, mas sim o fio. Bonito. Simples. Não passa disso. O senhor de idade ali na mesa tenta manter o fio da vida-colar-de-pérolas dele escrevendo sem parar até o seu [...]
Eu tenho um isqueiro na mão. E sei aonde está o fio da vida-colar-de-pérolas que me sustenta. Estou com isqueiro na mão pra ter certeza de que tenho a opção de acendê-lo. Lembrando que somos feitos de escolhas. Não me julgue. Não estou julgando você. Estou apenas lançando palavras. Ou tentando. É preciso tentar. Mesmo sabendo que fracassei, como alguém que repetiu isso pra mim várias vezes.
quarta-feira, 25 de abril de 2012
A mesma faixa
...
Ela massageia o pé-sem-parar. E quando para de fazer isso, fica girando o pé-sem-parar, ou mexendo ele no ritmo da música. Tudo isso com cada pé-em-um-longo-período. Enquanto lê um livro velho e sem graça. Mexendo o cabelo, larga o livro no colo, se senta na postura certa e larga mais uma informação desnecessária sobre o ridículo livro. Não quero saber sobre ele. E tenho certeza de que ela lê errado tudo que passa pelos seus olhos. E isso vai além dos livros.
- Aqui diz que tudo está aí pra gente vê. Não acredito nisso. Tem coisa que está por trás, sabe? Como essa rede de corrupção em cada canto da cidade. Na fala, na roupa. Vi um vestido no centro que você vai gostar...
E ali ela segue falando aquilo. "Vi um vestido..." Ela pensa que sou dessas mulheres que gastam o meu dinheiro com isso. Estou fazendo comida. Tenho que deixar isso claro, pois quem faz tudo nesse apartamento sou eu. Quem pega as contas e aguenta a fila no banco? Sou eu, tudo é eu. E agora cansei. Eu poderia viajar, me esvaziar durante um tempo e voltar como outra. Cheia de novidade, cheia de ares novos. Quem sabe cheia de mim. Se pelo menos chovesse.
- Conceitual! Acho que arte conceitual é algo que foge de tudo o que é arte. Imagina! Um filha da puta, porque ele foi filha da puta, pegou um mictório e mandou expor como arte! Ali foi o fim. Agora a gente fica nessa coisa sem nexo e tendo que aturar cada coisa... Por isso ninguém vai a exposição e não atura gente que faz arte. Eles tem que escrever livros e explicar a coisa. A coisa não se explica por si. Contexto! O contexto está perdido! Além do que a gente vê. Sabe?
Ela fala como se fosse verdade. Está lendo livros que falam sobre as fases da arte. A moda agora é arte conceitual. Duchamp. Pollock. Essas coisas. E minhas mãos estão inchadas e feias. Fiz a janta, lavei a louça da janta, limpei o banheiro, tomei banho, lavei a roupa, fiz o café, lavei a louça do café, fiz o almoço, lavei a louça do almoço. Menstruei e tomei chá com sangue. Ri olhando para a parede. Fiz a música tocar novamente e saltei o muro. Virei homem. Segurei um membro entre as pernas e perdi tempo no banheiro. Abri a janela e deixei a sala ficar gelada em pleno inverno. Ri olhando a porta que dá para o quarto. Me deu vontade de colocar fogo em tudo, escutando essa mesma música.
- Arte Moderna, minimalista... Aí! Estou cansada.
- Eu também.
- Mas porque? Não fizesse nada.
- Nunca te passou na cabeça que o cansaço nos mata?
- ...
- Às vezes me olho no espelho e vejo meus olhos um pouco amarelos. Uma mancha escura na volta. Eu vou embora ainda neste inverno. Quero aproveitar o verão em outro lugar.
- Como assim, Paula?
- E stá faltando alguma coisa e aqui está muito cheio.
- ...
- Tenho vontade de dar uma volta na rua de vez em quando. Sem compromisso algum, apenas ver a cidade funcionar. Apenas o fogo se espalhando. O desejo de cada um se perdendo. Uma criança segurando a mão do pai. Sentir raiva de uma moto barulhenta passando. Tenho vontade de desperdiçar a minha vida um pouco.
- Paula.
- ...
- ...
- Ontem eu cheguei em casa e a luz da sala estava ligada.
- Foi você que pediu.
- Eu sei.
Me sentei ao seu lado e a abracei. A música terminou e começou a tocar outra no som. A música não era boa, mas estava cansada demais para levantar e trocar de música.
quinta-feira, 19 de abril de 2012
Os dedos
quarta-feira, 18 de abril de 2012
gotas
terça-feira, 10 de abril de 2012
O menino que morreu no carnaval
segunda-feira, 9 de abril de 2012
Hoje eu não fumei
segunda-feira, 5 de março de 2012
Pedra de Sísifo
sábado, 3 de março de 2012
terça-feira, 28 de fevereiro de 2012
Lapela
quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012
Sala de recepção
Sala de recepção. Algum dia da semana. Chove muito. É possível escutar os trovões, os relâmpagos e os clarões entram pela janela da peça. A luz da sala pisca de vez em quando. É verão. As paredes da sala são verdes. Dois sofás vermelhos, cada qual com capacidade para dois lugares. Uma mesinha marrom com uma atendente velha fazendo tricô. Homem velho, com um ar de leve simpatia, sentado num dos sofás. Homem novo entra na sala, está molhado. Dirigi-se para a mesa.
ATENDENTE - Sim. O senhor pode aguardar que já, já, ele vai lhe atender. Que tempo, né? Sorte que aqui dentro está quentinho.
HOMEM – Vai demorar muito para ele me atender? Eu tenho muitas coisas para...
ATENDENTE – Eu vou ver o que posso fazer. Talvez ele precise de ajuda... (sai) (Homem novo pega outra revista, acende outro cigarro. A luz apaga. O Homem novo vai fumar o cigarro perto da janela, onde a luz da tempestade entra na sala. A sala fica quase no escuro)
HOMEM VELHO – Ixi! Não gosto do escuro. Sempre gostei da luz. Do dia! “Deus ajuda quem cedo madruga!” (ri) Sempre acordo com o Sol, faz bem! (para de ri) Como ela está demorando, lá dentro. Me preocupa. Fico o dia todo preocupado, viu? Não consigo fazer as coisas. Deixo de pensar, sabe? A mulher falou pra esquecer, mas ela não fala outra coisa. Deixou de falar comigo. Todo mundo. (ri) Mas to sempre aqui! (para de ri) (longa pausa) (homem novo acende um cigarro atrás do outro. A tempestade contínua.) O que eu estava dizendo? Ah, sim! Sabe como ela se machucou? Como eu não contei isso? (ri) Sou tão esquecido. (para de ri) Ela, minha netinha, ficou as férias dela lá