acordei de ressaca e mais aquilo tudo que sei
que foi esquecido por expulsão passional
gravado em um corpo que despertava já excitado
rosando como criança que ensaia a futura nostalgia da vida
não era tão assim
na verdade estava com medo de me apaixonar
e desapaixonar de novo
ficar conformado com uma típica solidão
só por causa dela ou dele
enquanto a ordem do mundo segue
aquela pele mergulhada ao sol
funcionava como um imã sexual
todo o teu texto
aquele reflexo de tortura
poesia pagã declamada ao banho
misturado a isso
o fio da fumaça mergulhado no conhaque
os braços a metros de tempos
não relembrava e sim inventava
me metamorfoseava num banho de rio
no meio daquele bar daqueles olhares tolos e esquecidos
aqueles egos petrificados que não cantam a séculos
ali aqui lá neste lixo imenso
eu o super mosca em meio ao Tom e semitom
enquanto o amanhecer brincava de anoitecer
cinzeiro lotado e tirando onda de saia
via aqueles olhos negros me comerem
como se eu fosse um herbívoro suculento
é verdade que sou carnívoro
toco a ferida pela mistura de dor e prazer
enquanto Mozart trepa com sua prima na cozinha ou na sala tanto faz
enquanto isso eu ergia colunas de sangue branco
dentro daquela deusa hidratada pelo sol
que na mucosa acumulada
entre lapsos de desejos
o ensaio do encontro
veio a morte
acordei de ressaca com a barraca armada
e com muita sede
sede mesmo
Textos, escolhas, cenas e ações. Eu deveria descrever o blog. Mas necessito de algo mais...
quinta-feira, 19 de dezembro de 2013
segunda-feira, 2 de dezembro de 2013
Textos sobre a morte ou qualquer coisa parecida com a música "Cilada" do Molejo
Estava conversando com Mario Vargas Llosa ontem. Estávamos viajando de avião entre Madri e Porto Alegre. Claro que o caminho final era Pelotas, que Varguinha (é como chamo Llosa e ele gosta sim!) diz que parece ser muito com Londres. Não pelo clima, mas pelos prédios altos e modernos, além de ser uma capital tão cultural como poliglota. Enfim, nada de exibicionismos.
Conversava com o escritor sobre seu último texto crítico: De olhos juntos: um ensaio da ontologia pós-moderna pela ótica do estrabismo. Fascinante! Mais de mil páginas que são lidas em uma sentada! Não discutimos sobre o ensaio por que não havia o que discutir. Embora eu acredite que a morte de Deus seja coisa de algum revoltado existencialista. Varguinha não sabia da morte de Deus e que seu corpo foi achado numa praia deserta uruguaia. Deus estava totalmente ensaguentado. Os delegados responsáveis pelo caso afirmaram: "Foi sem dúvida algum existencialista! O homicídio não foi premeditado. Percebemos que não havia método de ação, era puro impulso. Algo cruel, carajo!" Wood Allen estava presente, mas negou qualquer envolvimento. Sartre já estava morto. Varguinha me disse que era Kant o responsável. Vai saber! Quando percebemos que o lanche do avião era minúsculo pro tamanho da nossa fome, percebemos que discutir a presença de Deus era o menor dos nossos problemas.
...
A vida é cruel, chapa! Cruel mesmo. Percebi isso numa leitura marota dos recados fúnebres no jornal de minha cidade. Uma velhinha de 90 anos morreu aqui pelas redondezas. O jornal disse que foi de infarto. Pra mim não passou de tédio-escala-F5. Porque? Segundo a notícia era não casou nunca, não teve filho, sempre viveu em sua casa e morava com as quatro irmãs (sendo que ela tinha mais quatro, o total era oito). A única menção que fazem dela é que ela era religiosa e muito generosa. Jura? Esta é descrição que fizeram dela! Fico imaginando de outras pessoas:
PELÉ
Morre o maior jogador de futebol da história. Pelé tinha 89 anos de idade. Morreu atropelado por um carrinho enquanto jogava uma pelada na praia de Ipanema. Embora seja um dos maiores jogadores da história, Pelé era reconhecido mais pela capacidade poética que tinha com o orifício bucal cerrado e, nada mais nada menos, de ter traçado Xuxa na época que ela tinha tetinhas de cadela. Críticos da época diziam que o namoro dos dois era a materialização do símbolo yin e yang.
PAULO COELHO
Morre o escritor brasileiro de maior sucesso no exterior. Apesar de sua morte, Paulo Coelho, cuja consciência transcende a materialidade, apresentará seu novo livro em seu próprio velório. O título de seu novo romance é: Vida e morte de Paulo Coelho: livros péssimos e outras histórias. Um médium fará a sessão de autógrafos. Obs: é necessário chegar vinte minutos antes para pegar senha.
SEU BRENO
Natural de Canguçu, matinha desde sua infância uma locadora de video-game, perto da pontinha, ali perto do ginásio municipal. Alugava Play Station 1 e 2 pela metade do preço em fins de semana e épocas de férias. Torcedor fanático da equipe MASTER BRASIL '70 do play 1, Seu Breno deixará saudades para aqueles que jogavam Need For Speed horas e horas diante de sua presença indiferente e triste por aquelas crianças que perdiam horas de suas frágeis vidas jogando Play. Mas era massa mesmo assim! Valeu Seu Breno!
BELO
Morre o cantor mais feio da história do Brasil. Sua vida foi feita de inúmeras glórias: foi cantor de pagode, foi preso por inúmeros crises (porte de armas, tráfico, contrabando, prostituição, suborno, composição musical, entre outras coisas), foi casado com um mulherão (mulherão mesmo, venceu três páreos do Joquei Clubis de Rio de Xaneiro, usando biquíni apenas, sem ferradura nenhuma, só nas coxas!). Enfim, deixará tantas saudades quando Luan Santa Ana. Vai com paz, ao som de "Nuvem". Beijos e lágrimas de seus familiares! Foguetórios de seus fãs, como eu!
LULA
Foi presidente do Brasil. Considerado por muitos como revolucionário. Implantou no Brasil o sistema político categorizado como pós-maluf, onde se rouba mais e faz quando estão olhando ou é preciso olhar. Lula deixará saudade a população. Dentre todo povo se destacam os seguintes cidadãos de bem, que homenageiam o líder hegeliano brasileiro: Zé Dirceu (o Pé de Vento), Genoíno (o Barba Doce), Dilma (a Helza Dentuça), Marcus Valério (o Big Dick) e sua querida esposa, viúva, Marisa (aquela que parece a Marta Suplicy, mas que não é).
...
Se você for hoje tomado pela necessidade de responder o porque existimos, porque há vida na Terra, qual o tamanho do Universo, qual a concepção de Deus ou de Natureza, lembre-se dos dias que estávamos preso num engarrafamento no primeiro dia em que estavas chegando na praia. Coloque na balança as duas questões e pense qual é a mais difícil.
Conversava com o escritor sobre seu último texto crítico: De olhos juntos: um ensaio da ontologia pós-moderna pela ótica do estrabismo. Fascinante! Mais de mil páginas que são lidas em uma sentada! Não discutimos sobre o ensaio por que não havia o que discutir. Embora eu acredite que a morte de Deus seja coisa de algum revoltado existencialista. Varguinha não sabia da morte de Deus e que seu corpo foi achado numa praia deserta uruguaia. Deus estava totalmente ensaguentado. Os delegados responsáveis pelo caso afirmaram: "Foi sem dúvida algum existencialista! O homicídio não foi premeditado. Percebemos que não havia método de ação, era puro impulso. Algo cruel, carajo!" Wood Allen estava presente, mas negou qualquer envolvimento. Sartre já estava morto. Varguinha me disse que era Kant o responsável. Vai saber! Quando percebemos que o lanche do avião era minúsculo pro tamanho da nossa fome, percebemos que discutir a presença de Deus era o menor dos nossos problemas.
...
A vida é cruel, chapa! Cruel mesmo. Percebi isso numa leitura marota dos recados fúnebres no jornal de minha cidade. Uma velhinha de 90 anos morreu aqui pelas redondezas. O jornal disse que foi de infarto. Pra mim não passou de tédio-escala-F5. Porque? Segundo a notícia era não casou nunca, não teve filho, sempre viveu em sua casa e morava com as quatro irmãs (sendo que ela tinha mais quatro, o total era oito). A única menção que fazem dela é que ela era religiosa e muito generosa. Jura? Esta é descrição que fizeram dela! Fico imaginando de outras pessoas:
PELÉ
Morre o maior jogador de futebol da história. Pelé tinha 89 anos de idade. Morreu atropelado por um carrinho enquanto jogava uma pelada na praia de Ipanema. Embora seja um dos maiores jogadores da história, Pelé era reconhecido mais pela capacidade poética que tinha com o orifício bucal cerrado e, nada mais nada menos, de ter traçado Xuxa na época que ela tinha tetinhas de cadela. Críticos da época diziam que o namoro dos dois era a materialização do símbolo yin e yang.
PAULO COELHO
Morre o escritor brasileiro de maior sucesso no exterior. Apesar de sua morte, Paulo Coelho, cuja consciência transcende a materialidade, apresentará seu novo livro em seu próprio velório. O título de seu novo romance é: Vida e morte de Paulo Coelho: livros péssimos e outras histórias. Um médium fará a sessão de autógrafos. Obs: é necessário chegar vinte minutos antes para pegar senha.
SEU BRENO
Natural de Canguçu, matinha desde sua infância uma locadora de video-game, perto da pontinha, ali perto do ginásio municipal. Alugava Play Station 1 e 2 pela metade do preço em fins de semana e épocas de férias. Torcedor fanático da equipe MASTER BRASIL '70 do play 1, Seu Breno deixará saudades para aqueles que jogavam Need For Speed horas e horas diante de sua presença indiferente e triste por aquelas crianças que perdiam horas de suas frágeis vidas jogando Play. Mas era massa mesmo assim! Valeu Seu Breno!
BELO
Morre o cantor mais feio da história do Brasil. Sua vida foi feita de inúmeras glórias: foi cantor de pagode, foi preso por inúmeros crises (porte de armas, tráfico, contrabando, prostituição, suborno, composição musical, entre outras coisas), foi casado com um mulherão (mulherão mesmo, venceu três páreos do Joquei Clubis de Rio de Xaneiro, usando biquíni apenas, sem ferradura nenhuma, só nas coxas!). Enfim, deixará tantas saudades quando Luan Santa Ana. Vai com paz, ao som de "Nuvem". Beijos e lágrimas de seus familiares! Foguetórios de seus fãs, como eu!
LULA
Foi presidente do Brasil. Considerado por muitos como revolucionário. Implantou no Brasil o sistema político categorizado como pós-maluf, onde se rouba mais e faz quando estão olhando ou é preciso olhar. Lula deixará saudade a população. Dentre todo povo se destacam os seguintes cidadãos de bem, que homenageiam o líder hegeliano brasileiro: Zé Dirceu (o Pé de Vento), Genoíno (o Barba Doce), Dilma (a Helza Dentuça), Marcus Valério (o Big Dick) e sua querida esposa, viúva, Marisa (aquela que parece a Marta Suplicy, mas que não é).
...
Se você for hoje tomado pela necessidade de responder o porque existimos, porque há vida na Terra, qual o tamanho do Universo, qual a concepção de Deus ou de Natureza, lembre-se dos dias que estávamos preso num engarrafamento no primeiro dia em que estavas chegando na praia. Coloque na balança as duas questões e pense qual é a mais difícil.
quarta-feira, 6 de novembro de 2013
Ao inverso
ela dormia com o rosto coberto
enquanto uma árvore imensa
fazia sombra em seu corpo
que se fundia com o verde
o pai dela
soturno e senil
chegou
rígido
entrou em casa
me dizendo que levaria ela embora
sai
não havia vento na rua
nem canto qualquer
nem de pássaro
nem grilo
nem pedra
me aproximei da mulher
que agora acordada falava comigo
mas me recusei olha-lá
até então era uma estranha
porque a levaria?
tudo calmo
suspenso
manhã macia
com um sorriso
ela falava coisas que eu não entendia
talvez falou de uma viagem a praia
citou a palavra sossego
repetiu a expressão "seria bom" algumas vezes
mas no total era incompreensível
projeções difíceis
para tal momento sereno
sem compromisso algum
porém
na minha cabeça a separação
o olhar de Minerva
o sorriso do pai satisfeito
mas não tinha depois
era ali
a beijei
por algum impulso
mais para calá-la do que outra coisa
eu beijava de olhos abertos
mirando o chão verde
fechei os olhos e me entreguei
ao abrir os olhos
a vi pela primeira vez
não tinha nome
não era de verdade
ninguém se parecia com ela
mas estava ali
me lembro dos lábios e do cabelo
a árvore ao fundo
e um infinito azul celeste
o céu estava limpo
o Sol devia estar castigando
não é certo
mas ali a sombra tornava a vida
gostosa e amena
eu havia experimentado
primeiro a separação
e depois o romance
me acordei apaixonado
enquanto uma árvore imensa
fazia sombra em seu corpo
que se fundia com o verde
o pai dela
soturno e senil
chegou
rígido
entrou em casa
me dizendo que levaria ela embora
sai
não havia vento na rua
nem canto qualquer
nem de pássaro
nem grilo
nem pedra
me aproximei da mulher
que agora acordada falava comigo
mas me recusei olha-lá
até então era uma estranha
porque a levaria?
tudo calmo
suspenso
manhã macia
com um sorriso
ela falava coisas que eu não entendia
talvez falou de uma viagem a praia
citou a palavra sossego
repetiu a expressão "seria bom" algumas vezes
mas no total era incompreensível
projeções difíceis
para tal momento sereno
sem compromisso algum
porém
na minha cabeça a separação
o olhar de Minerva
o sorriso do pai satisfeito
mas não tinha depois
era ali
a beijei
por algum impulso
mais para calá-la do que outra coisa
eu beijava de olhos abertos
mirando o chão verde
fechei os olhos e me entreguei
ao abrir os olhos
a vi pela primeira vez
não tinha nome
não era de verdade
ninguém se parecia com ela
mas estava ali
me lembro dos lábios e do cabelo
a árvore ao fundo
e um infinito azul celeste
o céu estava limpo
o Sol devia estar castigando
não é certo
mas ali a sombra tornava a vida
gostosa e amena
eu havia experimentado
primeiro a separação
e depois o romance
me acordei apaixonado
sexta-feira, 1 de novembro de 2013
quando um armário se torna um estorvo
tendo ideias sobre um armário
para colocar os meus e os seus objetos pessoais
assim como os livros
ele me pergunta se irei embora ano que vêm
digo que não
mas a conversa
infelizmente
continua
talvez sejam estes os tais momentos únicos
onde suas ações futuras
são resumidas em uma frase
resumi na pior das hipóteses
no mais fundo de poço possível
longe de qualquer probabilidade
dando prioridade ao alcoolismo
abrindo lugar a misericórdia familiar
reservando espaço a doença
dedicando-me a esperança eterna
candidatando-me a alienação
tudo em uma frase
num momento em que queria descansar
ou acordar de vez
era minha paz em semanas
o armário da sala se fez como
estorvo bélico
mas aprendi a lição
eu era pra te respondido
que preferiria
uma mesa
segunda-feira, 28 de outubro de 2013
Memória dos filhos da terra
memória traiçoeira feita de abismos
te digo amigo-surdo
eu deveria envelhecer esta noite
me causando dor de cabeça
tinindo lá no fundo
acima desta auréola de fracassos
os homens trocam os dias
repetem as manhãs
assassinam demasiado noite
qualquer amanhecer que nasce com o pé na cova
disso eles não lembram!
não há como! eles me dizem
amnésia coletiva antes que eu esqueça
que alguma morte irá chegar
algum familiar próximo não se moverá
eu o remexerei e falarei nomes
a memória sentimental aparecerá
os tais dos tal presentes perdidos
e não serei o primeiro
será apenas o meu número chamado
cotações em alta no desespero
e quando menos chegar
e chega a qualquer idiota possível
a memória de corpo
pais filhos terra de cadáveres
com mãos mirando o céu
vocês insistem com este amanhã
não entendo a diferença temporal
por mais que me esforce
não consigo lembrar de poucos
e mesmo não tendo esta memória
que me atingiria com o grau de humanidade
tão caro a nossa espécie de hoje
meus olhos criam bolsões em meu rosto
aftas abrem distrito em minha boca
minhas vértebras doem antes mesmo de começarem a doer
te digo amigo-surdo
eu deveria envelhecer esta noite
mas esta se esqueceu também
apenas o velho cansaço
o antigo tédio do nada o que fazer
diante deste nada a prescrever!
diante deste nada a prescrever!
terça-feira, 1 de outubro de 2013
Tempo-choro 8
1
Deveríamos de início escolher o local para ser enterrado. Nada de clichê neste momento. Ousadia! Sepultamentos em grupos, duplas, trios, deitados, em pé, dobrado, sim! A posição do corpo seria importante. Fotos de poses de yoga podem ajudar os preguiçosos. Eu escolheria ser enterrado em algum lugar bem longe de qualquer centro urbano. No meio do mato não. Mas embaixo de uma pedra sim. Uma pedra grande e quadrada numa beira de estrada. Algum andarilho se sentaria nela, logo em mim, para descansar. Não haveria nenhum sinal de que eu estaria ali. Porque haveria? Outra alternativa seria ser balsamado e guardado na entrada de minha casa. Dessa forma poderia proteger o lar de minha família e de meus entes queridos, mesmo depois de morto. Deveria estar nu. Esta para mim seria a melhor opção, pois além de gerar segurança para a casa, seria pedagógico a qualquer estranho e as crianças: aproximando a relação delas com a morte.
2
Então você se sente totalmente inchado, ocupando mais espaço que o seu corpo suporta.
Então você tem vontade dormir, estás cansado demais, envelhecendo demais, escutando as mesmas coisas de sempre, mas não consegues dormir.
Então a única nostalgia que tens é dos momentos em que estavas sozinho.
Nesse momento vês que nem silêncio se faz.
Nem agora.
Então imaginas quando ficarás velho.
Caquético. Tremendo num ritmo estruturado pela doença fatal. Esquecendo o próprio nome e sendo definido pela demência senil. Enrugado e insatisfeito.
Esperando pela indesejada. Sozinho. Não tendo aceitado a vida até agora.
Numa vida de tantas falhas, de tantos fracassos, você só pensa que até sua própria morte irá falhar.
Como agora.
3
Um dia falarei tantas coisas travadas e presas, que minha voz não será só minha, será de todos os outros.
Principalmente aqueles que bebem perto da porta para que quando caírem seu corpo seja notado.
Falarei para aqueles que criam contos e poemas em suas cabeças o dia inteiro por não estarem fazendo aquilo que gostariam.
Para grande parte da população que enlouquece com inúmeros cavalos sendo espancados todos os dias.
Sobre essa nação de homens, mulheres, crianças e idosos de rua que tanto cresce entre nós.
E quando eu falar aquilo que eu quero, me repartirei em inúmeros pedaços.
Deixarei a atmosfera em linhas azuis acompanhado pelo sorriso do Sol.
Meu corpo será julgado e serei enforcado.
Mesmo neste momento, meu corpo saberá quem eu amei.
Deveríamos de início escolher o local para ser enterrado. Nada de clichê neste momento. Ousadia! Sepultamentos em grupos, duplas, trios, deitados, em pé, dobrado, sim! A posição do corpo seria importante. Fotos de poses de yoga podem ajudar os preguiçosos. Eu escolheria ser enterrado em algum lugar bem longe de qualquer centro urbano. No meio do mato não. Mas embaixo de uma pedra sim. Uma pedra grande e quadrada numa beira de estrada. Algum andarilho se sentaria nela, logo em mim, para descansar. Não haveria nenhum sinal de que eu estaria ali. Porque haveria? Outra alternativa seria ser balsamado e guardado na entrada de minha casa. Dessa forma poderia proteger o lar de minha família e de meus entes queridos, mesmo depois de morto. Deveria estar nu. Esta para mim seria a melhor opção, pois além de gerar segurança para a casa, seria pedagógico a qualquer estranho e as crianças: aproximando a relação delas com a morte.
2
Então você se sente totalmente inchado, ocupando mais espaço que o seu corpo suporta.
Então você tem vontade dormir, estás cansado demais, envelhecendo demais, escutando as mesmas coisas de sempre, mas não consegues dormir.
Então a única nostalgia que tens é dos momentos em que estavas sozinho.
Nesse momento vês que nem silêncio se faz.
Nem agora.
Então imaginas quando ficarás velho.
Caquético. Tremendo num ritmo estruturado pela doença fatal. Esquecendo o próprio nome e sendo definido pela demência senil. Enrugado e insatisfeito.
Esperando pela indesejada. Sozinho. Não tendo aceitado a vida até agora.
Numa vida de tantas falhas, de tantos fracassos, você só pensa que até sua própria morte irá falhar.
Como agora.
3
Um dia falarei tantas coisas travadas e presas, que minha voz não será só minha, será de todos os outros.
Principalmente aqueles que bebem perto da porta para que quando caírem seu corpo seja notado.
Falarei para aqueles que criam contos e poemas em suas cabeças o dia inteiro por não estarem fazendo aquilo que gostariam.
Para grande parte da população que enlouquece com inúmeros cavalos sendo espancados todos os dias.
Sobre essa nação de homens, mulheres, crianças e idosos de rua que tanto cresce entre nós.
E quando eu falar aquilo que eu quero, me repartirei em inúmeros pedaços.
Deixarei a atmosfera em linhas azuis acompanhado pelo sorriso do Sol.
Meu corpo será julgado e serei enforcado.
Mesmo neste momento, meu corpo saberá quem eu amei.
terça-feira, 10 de setembro de 2013
a xícara da sex shop
Uma xícara de café com leite cai no balcão de uma sex shop. O líquido cai pelo chão. É possível sentir o cheiro de vômito perto do pênis de 25cm. Na janela uma criança olha petrificada o balanço da xícara. O corpo que a derrubou está atrás do balcão. Inconsciente. Mais um morto na terra por ataque cardíaco. O homem de meia idade ficou irritado por uma mulher grávida de fetiches inúmeros ter vomitado perto do pênis de 25cm. Não podendo expressar sua raiva acumulada de anos pensou em tomar um café. A aceleração do coração fez ele bater com a cara no balcão. A criança entra dentro da loja. Pega uma vagina de borracha e um chicote e sai correndo. Outros entram e vão pegando outros objetos. A câmera de segurança filma tudo. A mulher grávida que estava no banheiro sai apreensiva. Já pedindo perdão. Até que encontro o morto. Chora. Um homem entra e pega o dinheiro da caixa registradora. Ela pede para não fazer isso. Ele dá um soco nela. Ela sangra. A xícara não quebrou.
segunda-feira, 9 de setembro de 2013
um revoltado no meio do lixo
Hoje fiquei surpreso ao ver o noticiário pela manhã. Uma família, em alguma cidade da grande São Paulo, foi encontrada morta em sua casa. Sem sinais de violência aparente. O pai estava na cama abraçado a sua filha de 3 anos e ao seu filho de 5. A mulher, mãe das crianças, estava deitada no beliche ao lado cama onde seus familiares foram encontrados. Os policiais não sabiam dizer como a família morreu, mas que tudo indicava que era venenamento. Os vizinhos diziam que eles saiam pela manhã e voltavam a noite. Todos os dias. Disseram também que era uma família muito quieta, que não interagia muito com os vizinhos. A última vez que foram vistos foi na sexta-feira a noite. O que me chamou a atenção foi o bilhete escrito pelo pai, com lápis de cor, encontrado na cozinha: "Não consegui cuidar de meus filhos!"
Para quem já leu "Quando as Máquinas Param" de Plínio Marcos, ou melhor, para quem já trabalhou com este texto e com a atmosfera desta peça, pode ter uma certa noção do que estou pensando. A minha atenção foi acionada primeiro pelo fato de como é mostrada as nossas redes de informação. Olhar o jornal é sentir o jogo econômico que tudo se tornou: te vendem comida, roupas, carros, casas, filmes usando como isca o sexo-pornográfico-fantasioso-pscicótico; os filmes norte-americanos atravessam as notícias numa propaganda e outra, ou simplesmente trocando de canal; as estatísticas de mortes, assaltos, roubos, desvios de dinheiro, acidentes de carros, engarrafamentos, só aumentam enquanto que a economia brasileira cresce e "está favorável para investimentos", e haja fila nos postos, balelas dos presidentes, e... e... por aí vai. Soube hoje que Haroldo de Campos falou: "Políticos? É fácil entendê-los, pois não são humanos. São cavalos que falam!" Está certo!
Hoje fui a um grande atacado aqui em Pelotas. Eram muitas pessoas lá dentro numa noite de segunda-feira. Muitas pessoas gordas se arrastando, empurrando seus enormes carrinhos repletos de doces e carboidratos. E elas comiam! Compravam e comiam ali mesmo. Se empurravam, se batiam, se encaravam, enchiam mais ainda seus carrinhos, enchiam mais ainda suas barrigas. Eu conseguia ver os produtos todos com pedaços de carne de pessoas que explodiram ali mesmo de tanto comer e de tanta angústia acumulada. A visão do inferno se completava na fila para pagar. Inútil Paisagem. Será que alguém percebia aquela quantidade de gente de cara sofrida, em uma outra fila para pagar outra coisa, gordos e gordas, pobres e cansados, endividados e tristes? Imaginei, como uma forma de brincadeira pessoal e sumir dali de alguma forma, que quando morrermos iremos parar numa fila de supermercado, com menos pessoas é claro, e passaremos no caixa. Alguém, com um carma pior do que o meu, passará uma máquina em mim e mostrará na tela tudo o que eu fiz e não fiz. Ela virará para mim e perguntará: "Como queres pagar?"
Voltando a notícia. Me surpreendeu o fato de que a MUVUCA do G20 ter chamado mais atenção que a história deste pai de família brasileiro. O que se passou na cabeça deste homem? Ele simplesmente envenenou toda a família. Não foi Medéia que matou-se e as crianças. Não foi só isso! Foi ele, a mulher e as crianças. O noticiário disse que haviam cortado a luz da casa deles a um mês. Outros dizem que eles passavam por uma crise financeira muito séria. Mas quem não passa? Enquanto os números da Petrobras crescem, enquanto nos tornamos a 6ª economia do mundo, enquanto o dólar cai pelo sexto dia seguido e no senado os políticos tiram os sapatos e brincam com seus dedões entre um cancelamento de voto de projeto e outro, inúmeras pessoas no Brasil se submetem a trabalhos ou pré-trabalhos para poder sobreviver.
"Não consegui cuidar de meus filhos!" é um grito silencioso no meio da bolsa de valores de São Paulo. Não vale nada! A degradação do homem é gigantesca! O mundo está se dopando e engordando. A maioria das pessoas saíram de uma peça do Beckett. As poucas pessoas que tomam consciência da merda que é essa condição de vida que a maioria leva escrevem "Não consegui cuidar de meus filhos!" ou "Não consigo arrumar um emprego que gosto!" ou "Sou professor, mas me tratam como um saco de lixo feito para bater!" ou "Minha mulher é frígida!" ou "Essa geração perdeu toda a imaginação!" ou... ou... Tudo acaba na máxima de "O que hei de fazer?" Qualquer coisa que você colocar aí funciona. Dá vontade de ser cego para não ver tanta merda. Ou de ser surdo para não escutar tanta babaquice. Ou ser mudo e não falar mais bosta ainda. Ou ser paralítico e não conseguir ir até o McDonalds engordar.
Essa família que se suicidou antes mesmo da sexta-feira passada, deve ter tido momentos tristes e difíceis. Muitos estão cagando para eles, o que tem a sua razão, porém hoje, no humor que estou, dei atenção sim. Esse cara teve peito suficiente para se revoltar contra esse jogo cruel que virou nossa semi-vida. Ele poderia ter matado alguém, mas ele não fez isso. Ele se prostituiria se fizesse isso, se tornaria os cachorros, ou melhor, nestes cavalos que fazem isso não só com ele, mas com milhões de brasileiros. No meio de tudo isso que esse país se tornou, a atitude dessa família foi um tapa contra todos. Como bons revoltados não receberam louros, não mudaram a vida da humanidade. Fizeram uma batalha no silêncio e tomaram uma decisão que talvez muitos já tomaram. O que passou na cabeça daquele homem? Não porque ele se matou. Isso é óbvio, há inúmeras respostas para isso e todas com suas razões admissíveis. É mais fácil achar mil motivos para morrer do que um para viver. Digo o que se passou na sua cabeça no ato: na hora de botar o veneno na comida, ou no leite, suco, sei lá. E na hora de todos ingerirem o veneno, o que passou quando ele fez isso com seus dois filhos? A sua mulher? E ele?
Isso não sai da minha cabeça.
Para quem já leu "Quando as Máquinas Param" de Plínio Marcos, ou melhor, para quem já trabalhou com este texto e com a atmosfera desta peça, pode ter uma certa noção do que estou pensando. A minha atenção foi acionada primeiro pelo fato de como é mostrada as nossas redes de informação. Olhar o jornal é sentir o jogo econômico que tudo se tornou: te vendem comida, roupas, carros, casas, filmes usando como isca o sexo-pornográfico-fantasioso-pscicótico; os filmes norte-americanos atravessam as notícias numa propaganda e outra, ou simplesmente trocando de canal; as estatísticas de mortes, assaltos, roubos, desvios de dinheiro, acidentes de carros, engarrafamentos, só aumentam enquanto que a economia brasileira cresce e "está favorável para investimentos", e haja fila nos postos, balelas dos presidentes, e... e... por aí vai. Soube hoje que Haroldo de Campos falou: "Políticos? É fácil entendê-los, pois não são humanos. São cavalos que falam!" Está certo!
Hoje fui a um grande atacado aqui em Pelotas. Eram muitas pessoas lá dentro numa noite de segunda-feira. Muitas pessoas gordas se arrastando, empurrando seus enormes carrinhos repletos de doces e carboidratos. E elas comiam! Compravam e comiam ali mesmo. Se empurravam, se batiam, se encaravam, enchiam mais ainda seus carrinhos, enchiam mais ainda suas barrigas. Eu conseguia ver os produtos todos com pedaços de carne de pessoas que explodiram ali mesmo de tanto comer e de tanta angústia acumulada. A visão do inferno se completava na fila para pagar. Inútil Paisagem. Será que alguém percebia aquela quantidade de gente de cara sofrida, em uma outra fila para pagar outra coisa, gordos e gordas, pobres e cansados, endividados e tristes? Imaginei, como uma forma de brincadeira pessoal e sumir dali de alguma forma, que quando morrermos iremos parar numa fila de supermercado, com menos pessoas é claro, e passaremos no caixa. Alguém, com um carma pior do que o meu, passará uma máquina em mim e mostrará na tela tudo o que eu fiz e não fiz. Ela virará para mim e perguntará: "Como queres pagar?"
Voltando a notícia. Me surpreendeu o fato de que a MUVUCA do G20 ter chamado mais atenção que a história deste pai de família brasileiro. O que se passou na cabeça deste homem? Ele simplesmente envenenou toda a família. Não foi Medéia que matou-se e as crianças. Não foi só isso! Foi ele, a mulher e as crianças. O noticiário disse que haviam cortado a luz da casa deles a um mês. Outros dizem que eles passavam por uma crise financeira muito séria. Mas quem não passa? Enquanto os números da Petrobras crescem, enquanto nos tornamos a 6ª economia do mundo, enquanto o dólar cai pelo sexto dia seguido e no senado os políticos tiram os sapatos e brincam com seus dedões entre um cancelamento de voto de projeto e outro, inúmeras pessoas no Brasil se submetem a trabalhos ou pré-trabalhos para poder sobreviver.
"Não consegui cuidar de meus filhos!" é um grito silencioso no meio da bolsa de valores de São Paulo. Não vale nada! A degradação do homem é gigantesca! O mundo está se dopando e engordando. A maioria das pessoas saíram de uma peça do Beckett. As poucas pessoas que tomam consciência da merda que é essa condição de vida que a maioria leva escrevem "Não consegui cuidar de meus filhos!" ou "Não consigo arrumar um emprego que gosto!" ou "Sou professor, mas me tratam como um saco de lixo feito para bater!" ou "Minha mulher é frígida!" ou "Essa geração perdeu toda a imaginação!" ou... ou... Tudo acaba na máxima de "O que hei de fazer?" Qualquer coisa que você colocar aí funciona. Dá vontade de ser cego para não ver tanta merda. Ou de ser surdo para não escutar tanta babaquice. Ou ser mudo e não falar mais bosta ainda. Ou ser paralítico e não conseguir ir até o McDonalds engordar.
Essa família que se suicidou antes mesmo da sexta-feira passada, deve ter tido momentos tristes e difíceis. Muitos estão cagando para eles, o que tem a sua razão, porém hoje, no humor que estou, dei atenção sim. Esse cara teve peito suficiente para se revoltar contra esse jogo cruel que virou nossa semi-vida. Ele poderia ter matado alguém, mas ele não fez isso. Ele se prostituiria se fizesse isso, se tornaria os cachorros, ou melhor, nestes cavalos que fazem isso não só com ele, mas com milhões de brasileiros. No meio de tudo isso que esse país se tornou, a atitude dessa família foi um tapa contra todos. Como bons revoltados não receberam louros, não mudaram a vida da humanidade. Fizeram uma batalha no silêncio e tomaram uma decisão que talvez muitos já tomaram. O que passou na cabeça daquele homem? Não porque ele se matou. Isso é óbvio, há inúmeras respostas para isso e todas com suas razões admissíveis. É mais fácil achar mil motivos para morrer do que um para viver. Digo o que se passou na sua cabeça no ato: na hora de botar o veneno na comida, ou no leite, suco, sei lá. E na hora de todos ingerirem o veneno, o que passou quando ele fez isso com seus dois filhos? A sua mulher? E ele?
Isso não sai da minha cabeça.
quinta-feira, 5 de setembro de 2013
a casa queimada
No auge do sono um calor tomou conta de meu corpo. Pingava a suor. Delirava dentro daquele sonho que era o mais colorido e alto de todos. Quando estava mais alto que acima do além, naquele calor gostoso, acordei com o corpo em perigo: minha cama estava em chamas. Em um átimo de tempo estava ereto na cama olhando as chamas se espalharem da minha cama até as paredes. Parecia que o fogo iria me abraçar a qualquer momento num movimento de turbilhão. O desespero só não fez meu coração parar, pois percebi que minha roupa estava totalmente encharcada de água. Eu simplesmente pingava a água. Secava os olhos para poder ver melhor aquele pequeno inferno íntimo. Não havia mais armário e nem escrivaninha. Era somente a cama-fogareiro e eu. Corri em direção a janela e pulei. Mesmo cortando o braço direito e sangrando muito, não havia dor. Estava elétrico por demais. Via a minha casa, que conhecia tanto pegando fogo. "Como pode acontecer isso?" Aquela imensa fogueira não me passava a dor de perder tudo, mas sim o estranhamento de que ela estava, em si, pegando fogo. Tratava a casa como algo vivo. Pulsante por si e em si. Mas nunca como autodestrutiva. Fui andando para trás sem perder os olhos da casa. O fogo era lindo. Cada labareda me lembrava um abraço de amor: quente e perigoso. No meio da hipnose do fogo uma das minhas agulhas se mexeu em meu peito. Gritei. O som não saiu. Tentei gritar de novo e nada. Silêncio total. Só o movimento do fogo é que fazia som. Virei o corpo no desespero e me petrifiquei. Não havia nada. Tudo havia queimado ao redor da casa, para não dizer até onde a vista alcançava. O chão era carvão moído, escuro e sujo. Notei que já estava seco. Corri. Sem saber pra que ou pra onde, corri. Era como se estivesse de olhos fechados. O chão era extremamente plano, não havia nada. O céu estrelado me abafava. Depois de muito correr cheguei em outra casa pegando fogo. "É a minha casa?" Pensei. "É!" Voltei correndo. Depois de um tempo cheguei a minha casa de novo. Corri para outra direção. Depois outra e outra. Mais uma. Corria reto, dobrava para a direita em um determinado momento. Andava de costas. Girava em torno de meu eixo e tonto corria. Nada. Sempre voltava para a minha casa. Minha roupa estava suja. Eu estava fedendo. Cansado resolvi entrar em minha casa. Tudo queimado. Cinzas e mais cinzas. Não havia janelas nem portas. O cheiro era horrível. Imóvel fiquei durante um tempo. Não passou nada pela minha cabeça. Olhei para cima. O céu estrelado continuava lá. Havia muitas estrelas. Era visto a mancha da Via Láctea. Era uma cúpula enorme na minha cabeça. Fazia frio agora. Tinha sido uma noite muito longa. Fechei os olhos de saudade e ao abrir de novo vi a chave pendurada na parede. Estava limpa e ainda dourada. Peguei ela. Senti tanto afeto pela chave que a apertei na minha mão. Apertei tão forte que só parei quando o vermelho de sangue pingou no preto do chão.
terça-feira, 3 de setembro de 2013
o dia amarelo-cagado
Levantei a cabeça num susto. Nem parecia que pesava dez quilos de estresse autêntico. O relógio não havia despertado desta vez. Era feriado e a droga do tal do relógio biológico havia me acordado de supetão. Levantei sem saber onde estava as pernas e despreocupado com o café. A dor de cabeça já se fazia presente, o diacho de ficar pensando em 'os-ques-dos-fazeres' antes de dormir e trabalhar nos próprios sonhos. Meio zumbi e meio descrente fui em direção a sala. Não me lembro do que aconteceu. Quando sai da percepção sonolenta de mundo, no caso, quando de fato acordei, estava na rua andando. Dia amarelo-cagado, meio de porre de tanto serviço feito e a fazer, eu era um solado cortante de trompete rasgando a vida. Minha própria vida.
Quando de súbito a consciência me veio estava andando perto da praça de casa. O estranho é que eu andava com uma bola de basquete na mão. Uma bola verde e amarela que me lembrava da bandeira brasileira. "Já não basta esse dia amarelo-cagado, tem essa porra de bola de basquete na minha mão!" Minha indignação que durou o tempo deste pensamento não precisa ser comentada. O que posso dizer é que o dia estava amarelo-cagado mesmo. Tudo parecia uma fotografia gasta do início do século, porém só na cor. A arquitetura e os carros eram desta era de 'progresso' mesmo. Parecia que uma tempestade de areia tinha passado por ali, deixando tudo com um tom de amarelo... amarelo... cagado mesmo. Não tem outro adjetivo pra usar. O estranho era que não havia ninguém na rua. Ninguém mesmo. Era eu e a bola de basquete.
Joguei basquete na adolescência. Nunca me esforcei pra ser bom nisso. Além de minha estatura não chegar perto nem de vinte centímetros da altura de um armador profissional, a ideia de jogar um esporte estritamente norte-americano não passava pela minha garganta. Era como engolir uma asa de galinha por inteiro nas cores branca, azul e vermelha. Pensamento estranho este. O fato é que piquei a bola por ela ser uma bola. O contato com o chão fez com que ela emitisse um zunido engraçado. Zunido que fez eco na rua vazia. Picava a bola no chão, entre as pernas, na parede de uma casa, no asfalto, na calçada, até na grade piquei a bola que sempre retornava para as minhas mãos. Pensei num momento que pudesse picar a bola no céu que ela voltaria para mim sem esforço algum. Senti-me rei daquela brincadeira. "Até que enfim algo que sou bom em fazer!" Descartei este pensamento logo depois por pura pena de mim mesmo. Minha decadência é infantil por demais. Mais que aquelas duas meninas que corriam do outro lado da praça. Opá! Lembrei das duas meninas sim! Corriam como se estivesse atrás de um avião que passasse no céu de cor amarelo-cagado. Desviei o olhar quando vi a tabela de basquete. "Quem sabe eu faço uma cesta?" Pensei com meus botões num "lápis" de pensamento. Porém, queria acertar da calçada e atrás da tabela. Impossível acertar claro. Ainda mais com aquela distância. O que seria? Uns seis metros? Não sei, nunca tentei aprender a calcular o espaço que estou. Mas como não havia perdido um quique da bola ainda, acertaria na mosca como um bom Rei que estava naquele dia. Arremessei a bola e ela foi parar no meio da quadra. Me assustei de novo. A quadra de basquete era de grama verde-musgo e estava alagada. A bola havia caído no meio da quadra e feito um "splash" alto, como quando se pula de bombinha na piscina. Fui até a beirada da quadra. Olhei aquela bola amarela e verde boiando no meio da quadra. "Merda!" Falei. Não queria entrar para não molhar os tênis e as calças. Mesmo não pensando no surrealismo daquele momento e tendo negado calcular qualquer espaço concreto em toda a minha vida, chutei por intuição que a profundidade da água daria na minha canela.
No que pensava como pegar a bola, aquelas duas meninas que corriam do outro lado da praça apareceram. Entraram dentro da quadra e se atiraram na água. Brincavam de lutinha. O estranho é que apenas uma delas me chamou a atenção. Posso dizer que a que eu desprezei era um vulto cabeludo vestido de preto. A outra menina não. Pele branca, usava um vestido xadrez de marrom e preto e branco. Por feio que pareça era bonito. Usava um shortinho preto por baixo. Pés nus para entortar a cabeça. Quando rolava pela quadra de água, suas pernas se mostravam. Nada passava pela minha cabeça que não fosse olhar aquelas pernas brancas. Um desejo de lamber ou apertar aquelas pernas nasceu em mim. Todo o meu corpo foi tomado pelo erotismo daquele corpo em desenvolvimento. Aquela inocência quase me fez chorar de tanta beleza. Queria tocar nela, abraçar, sentir o cheiro de seus braços, de seu pescoço, a saboneteira! Sim, a saboneteira! Aquele desejou se transformou em um nervosismo incontrolável quando ela veio em minha direção trazendo a bola de basquete. "É sua?" Que voz doce!"Obrigado." Respondi compenetrado no rosto dela. Paralisei como no mito antigo. Virei pedra de cordilheira, lá no alto. Ela parecia se desgrudar de tudo o que estava na volta. Sua figura se destacava de todo aquele ar amarela-cagado que o dia estava. Quando olhei seus lábios carnudos e vermelhos-saúde, eu, que era solado cortante de trompete, me vi em nota uníssona de oboé acima do vento.
Lembro que andamos por aí. Não recordo do que falamos. Tudo era motivo para eu olhar sua boca. O tom de sua voz, a curva do maxilar, os fios de cabelos que faziam o contorno da orelha num dos detalhes mais sensuais dela. As mão macias que ousei tocar na hora de pegar a bola e de fazer com que ela a pegasse de volta na hora de amarrar meus tênis, mesmo estando amarrados. A inocência dela estava se voltando para mim. Depois de um outro sorriso dela nos deparamos em frente a minha casa. Era um restaurante. Me lembrei que morava em cima de um restaurante. Convidei ela para entrar. Ela entrou. Me lembro da expressão de seu rosto estranhando o ambiente. "Moro no andar de cima." Ela sorriu dizendo telepaticamente que agora fazia sentido. Antes de convidá-la para subir me abraçou forte. Seus lábios encostaram em minha bochecha. E os meus perto da orelha em direção ao pescoço. Apertei suas primeiras costelas, dois dedos abaixo daqueles pequenos seios, na altura do seu diafragma. É ali que gosto de apertar. Ela se soltou. "Ainda não." E sorriu. Me deu outro beijo no rosto e disse algo que me surpreendeu. "Te amo. Você me fez preferir está com você do que com a minha família." E saiu em direção a porta. A vi andando rápido pela janela. O dia ainda estava amarelo-cagado. Tudo no restaurante estava verde e vermelho. Imaginei ela nua em uma das mesas. Não havia ninguém no restaurante.Peguei a direção para subir a escada que dava em direção de onde morava. Não havia degraus. Ainda embriagado tive que escalar a parede para chegar a porta de meu apartamento.
domingo, 1 de setembro de 2013
Madame Gwen e seus gatos
Estava almoçando na casa de Madame Gwen. Comíamos no quintal de sua casa, muito bonito o lugar. Todo madeirado, sabe? Tipo cabana, tipo inveja pra qualquer um. Sem falar que havia comida suficiente para umas dez pessoas, mas tinha em torno de cinco, não lembro. Estava gostando muito purê de batata, muito mesmo. Até que Madame Gwen escutou um barulho vindo da cozinha. Ela falou que era o gato do vizinho tentando entrar na casa pela janela da cozinha. Pediu, com educação elevada, para mim fechar a janela. No mesmo tom não recusei.
A janela era toda dourada e um pouco estranha. Ela abria para baixo, de uma forma que a parte de cima da janela estava aberta. E o gato do vizinho estava de pendurado nela. Gato grande, bem alaranjado-dourado, acho que os olhos eram laranjas também. Lindo. Mas o filho da puta estava entrando. Usando uma vassoura bate no focinho do gato até ele largar a janela. Caiu para o lado de fora da casa. Olhei ele resmungar alguma coisa. Larguei a vassoura e me concentrei na janela de novo. Não havia jeito de fechar aquela puta. "Esta janela é muito estranha, não consigo fechar!" Gritei para Madame Gwen. Ela disse que era só levantar o vidro e fechar os pinos da ponta. Era de longe a janela mais estranha do mundo. E quando eu já estava suando de tanto trabalho a porra do gato apareceu de novo. Peguei a vassoura e quase quebrei o cabo batendo na cabeça daquele lindo gato do vizinho. Ela não conseguiu entrar. Nervoso fui pra rua chamar Madame Gwen. Expliquei o que havia acontecido. Na volta pra cozinha, vi o gato entrando pela janela e correndo para o interior da casa. "Filho da mãe!" Pensei na hora. "Ele entrou Madame Gwen!", disse para a dona da casa. Ela, numa resposta rápida e quase que automática disse: "Pegue-o!"
Não sou um apaixonado por gatos. Fiquei com medo que o gato pudesse ficar com algum remorso e querer me atacar pelas porradas que tinha lhe dado. Para me proteger da missão peguei a vassoura-amiga para ir atrás do lindo gato do vizinho. Entrei no quarto. Devagar, bem devagar, olhei para todos os cantos, com o cabo da vassoura levantei o lençol e... nada. O gato não estava ali. Fui para o banheiro. Lugar pequeno, não teria como um gato se esconder ou fazer qualquer coisa ali. Mas estava sim um gato, porém outro. No box! Um gato cinza-branco-sujo-meio-perebento. Parado me olhando. Gritei: "Madame Gwen tem um gato cinza aqui no banheiro!" Ela respondeu dizendo que aquele gato era dela. Bom, então não era este que eu teria que espantar. Fui para a sala. Lá encontrei outros três gatos. Agora cada um com uma cor diferente, mas mantendo o tom de branco e cinza sujo. Eram gatos feios.
- Madame Gwen! Tem mais três gatos aqui na sala. Nenhum deles é o laranja do vizinho!
- São meus também!
Surpreso pela resposta lancei uma pergunta:
- Afinal, quantos gatos a senhora possui?
- 14!
No que foi dada a informação de Madame Gwen, os outros 11 gatos apareceram na sala. Todos os 14 estavam lá, todos branco-cinza-sujos e feios. Andando em minha volta. Dois fizeram carinho em minhas pernas. Eu me espantei com tantos gatos ao mesmo tempo. Andando em minha volta. Começaram a fazer carinho em mim. Alguns mais ousados queriam subir em mim. Arranhavam a minha perna. Miavam. Fiquei mudo de medo. Imóvel pela surrealidade da situação. Os gatos começavam a subir pelas minhas pernas. Então comecei a bater nos gatos tentando me livrar deles. Quando jogava um gato ao longe de mim, um outro me arranhava o braço, ou a barriga, ou pulava em meu rosto. Era um ataque de 14 gatos que ronronavam sem parar.
Em meio aquele desespero que crescia, olhei para a janela da sala e vi aquele lindo gato alaranjado-dourado na janela, mas pelo lado de fora. Me olhava. Não aparentava expressão alguma.
terça-feira, 20 de agosto de 2013
Desconstrução 1
Você vai tentando dançar a sua música
enquanto todos tentam te estuprar
você abre a gaveta pra ver a bagunça
e a geladeira pra ter motivo para sair
para poder ter desculpas para assassinar
num só chiado uma pobre criança
que já está morta e todos sabem
que ninguém conseguirá chegar lá
sem heróis e sem esperança
mas este é o jogo e tudo bem.
Sobe o ônibus, desce e um cigarro
alguém o encara como se tu fosse um filé
mas tudo bem cada qual com seu defeito
consciência gonorreia moral chulé
um passo à frente e a nudez da mulher
da tv que o sodomiza rasgando até o peito
deixando a cara em escuridão
os suicídios como um grande clarão
necrose no pilar da educação
esperma bombeado pelo coração
o cabelo preso no trinque do porão
o som agudo da palavra não
desafiando o homem ao chão.
Numa lembrança secreta
me vi em dois espelhos
uma era mulher diante do mar ereta
e a segunda tinha líquen nos cabelos
não há como ter certeza concreta
mas acariciava os meus pelos
de minha buceta em direção certa
a você!
enquanto todos tentam te estuprar
você abre a gaveta pra ver a bagunça
e a geladeira pra ter motivo para sair
para poder ter desculpas para assassinar
num só chiado uma pobre criança
que já está morta e todos sabem
que ninguém conseguirá chegar lá
sem heróis e sem esperança
mas este é o jogo e tudo bem.
Sobe o ônibus, desce e um cigarro
alguém o encara como se tu fosse um filé
mas tudo bem cada qual com seu defeito
consciência gonorreia moral chulé
um passo à frente e a nudez da mulher
da tv que o sodomiza rasgando até o peito
deixando a cara em escuridão
os suicídios como um grande clarão
necrose no pilar da educação
esperma bombeado pelo coração
o cabelo preso no trinque do porão
o som agudo da palavra não
desafiando o homem ao chão.
Numa lembrança secreta
me vi em dois espelhos
uma era mulher diante do mar ereta
e a segunda tinha líquen nos cabelos
não há como ter certeza concreta
mas acariciava os meus pelos
de minha buceta em direção certa
a você!
Uma história próxima de um assassinato
Dorme menina, aproveita que tudo se desfez em cinza. É tudo frio. Não há mais nada, nada falta, ele disse. Então aproveita, menina, retire as coisas de seus lugares. Observe o espaço e lance um perfume cheiroso em cada cama. Tire qualquer móvel que serve para sentar, para encostar, para esfregar e qualquer outro que não mude de cor. Axé, menina! São novos tempos, mais cinza, é claro... e escuro.
Dorme menina, para depois acordar. Acordarás em pleno voo, descendo dos céus com um enorme para-quedas. Descerás no meio de um grande carnaval. Entre surdos e ouvintes. Entre retalhos de cetim e versos não memorizados, cantarás sem saber qual canção. Serás feliz e não pensarás sobre isso na hora. Quando estiveres cansada? Dormirás novamente.
Dorme menina, que dançarás num banho de mangueira. Não agora, quando acordares e ver que é verão. Que está calor, que terás uma vontade imensa de tomar banho de água bem fria. Vais querer molhar a espinha com a água gelada. Darás suspiros de frio e de choque térmico. Vou te chamar de Estela.
Dorme. Mandarei todos fazerem silêncio, pois és o meu amor e quero que sonhe com meu nome. Te observo, mas sei que irás acordar a qualquer momento. Verás os lençóis desarrumados. Notará que está anoitecendo. Que estás suada, que faz muito frio. Notarás uma dor nas costas e nas pernas. Tentará dizer algo e não conseguirá. Dorme, menina. Aproveita o sono.
Quando acordares me verá. Vais estranhar o meu rosto pálido, este peso na testa, esse olhar que não dorme. Um olhar que observa com apreensão. Que espera com esperança de que a qualquer momento toque a última música. Que faça um silêncio mortal. Que eu chore e perceba que minha vida está com você. Que ao te ver eu não me entenda. Que eu veja o nada. Me levantarei e olharei para o céu. Registrarei a imagem do céu.
Dorme menina, dorme.
Dorme menina, para depois acordar. Acordarás em pleno voo, descendo dos céus com um enorme para-quedas. Descerás no meio de um grande carnaval. Entre surdos e ouvintes. Entre retalhos de cetim e versos não memorizados, cantarás sem saber qual canção. Serás feliz e não pensarás sobre isso na hora. Quando estiveres cansada? Dormirás novamente.
Dorme menina, que dançarás num banho de mangueira. Não agora, quando acordares e ver que é verão. Que está calor, que terás uma vontade imensa de tomar banho de água bem fria. Vais querer molhar a espinha com a água gelada. Darás suspiros de frio e de choque térmico. Vou te chamar de Estela.
Dorme. Mandarei todos fazerem silêncio, pois és o meu amor e quero que sonhe com meu nome. Te observo, mas sei que irás acordar a qualquer momento. Verás os lençóis desarrumados. Notará que está anoitecendo. Que estás suada, que faz muito frio. Notarás uma dor nas costas e nas pernas. Tentará dizer algo e não conseguirá. Dorme, menina. Aproveita o sono.
Quando acordares me verá. Vais estranhar o meu rosto pálido, este peso na testa, esse olhar que não dorme. Um olhar que observa com apreensão. Que espera com esperança de que a qualquer momento toque a última música. Que faça um silêncio mortal. Que eu chore e perceba que minha vida está com você. Que ao te ver eu não me entenda. Que eu veja o nada. Me levantarei e olharei para o céu. Registrarei a imagem do céu.
Dorme menina, dorme.
segunda-feira, 15 de julho de 2013
Tempo-choro 7
1
Cansado, como se tivesse ajudado Sísifo, me encontro na hora mais morta do dia. Outra vez a cabeça lateja, princípio de terremoto no território da relação social. Vou me preparando novamente para a mesma guerra. E ainda falam de tempos de paz. Vamos embora?
2
É impossível abster-se dessa tentação de não existir mais. Ver aquilo-tudo-que-não-tem-nome virar uma névoa fria, transformando qualquer aventura num erro infantil. Isso não é minha culpa. Aprendi a neutralizar o mundo. Somente eu mesmo posso criar expectativas a mim. Sou eu que me decepciono. E meus amigos? Eles fazem parte de mim e eu levo seus nomes a qualquer parte de minha ação-pensamento. O resto é resto. E meu inferno agora sou eu.
3
Um dia me abandonarão. Não sentirão vergonha. Dividirão insultos. Não me ligarão. O pior de tudo é que será pela madrugada, perto das seis da manhã. Numa rodoviária. Ao som de sirenes, de lixos midiáticos, ao andar de decrépitos e seus familiares tristes, de pedidos de esmola e de cigarro. Haverá uma última ligação. Atenderei. Do outro lado, e esse lado é sempre o mais difícil de se lidar, com aquela voz de sempre, voz que me lembrará o sorriso dela, da pessoa em questão. Me lembrará de peripécias de meio de noite. De porres. De todas aquelas histórias que idiotas contam e que se orgulham tanto. Sim, me tornarei idiota ao escutar aquela voz doce. Entenderei o amargo da vida. Ficarei mais longe dos sonhos. Me abandonará antes mesmo de pronunciar a frase por completo: "Você me acordou ontem a noite. Estava com insônia. Demorei para voltar a dormir." Responderei alguma coisa querendo dizer outra. Fazer outra. "É tudo depressa demais." Serei mais do que estúpido. Serei verdadeiro. O mais brega possível. Daquela velha resposta romântica, pré-fabricada, moldada com os melhores dos chavões, mas direi: "Me perdoa!" Sem interrogação alguma.
4
Vi um pássaro morto na calçada. Morreu de velhice. Banhando em tristeza num dia frio. O cachorro-vizinho afirmou que nos últimos dias eles se mostrava mais feliz do que nunca. Foi bonita a reportagem com o cachorro-vizinho. Ele disse que o pássaro afirmava que iria morrer logo, mas que não acreditava no amigo, já que era conhecido como o mais fanfarrão da quadra. Mas ele morreu. Não houve velório. Os animais não enterram assim seus amigos. Parece que há um pacto em deixar os mortos por aí. Jogados mesmos. Jogados não, caídos, falecidos, fenecidos, mortos. Cachorro-vizinho disse que poucos se aproximam do amigo-pássaro-morto. Ele alegou que para eles isso não é estranho. Afinal, como ele disse: "A morte está por aí mesmo."
domingo, 9 de junho de 2013
Tempo-choro 06
1
Sem nenhuma âncora de segurança velejo em primaveras mortas. Velejo em águas paradas onde me reconheço nos corpos que apodrecem na superfície. É nítido que a festa acabou. Miro a Lua que tanto desejo. Penso: "É tudo inútil". Grande atriz chora toda a noite antes dormir. Acorda soluçando de pavor. Veleja aos poucos nos cabelos negros da morte. Esse medo de se sentir afastado. A espera de um encontro. Ou daquele velho retorno, a primeira lembrança. O que quer dizer? Viajo sem porto inventando tristeza pra saber como que é o contrário. Ela, com seus oitenta anos de bons dias e boas noites, percebe os seus morrendo a cada estação. Nem ela tem âncora.
2
Estudei meu papel no reino da imaginação. Assediado pela curiosidade tentei entrar em inúmeras vidas. Sim. Fui tentando chegar o mais perto do para sempre.Do Encontro. Usei a ação como veículo, como minha âncora. E mesmo assim sigo com os pés na sujeira. Esfregando a cara na merda enquanto meu corpo se acorda. E aguardo, depois de tudo, no meio de um cigarro a outro, poder dizer Adeus antes de enfiar uma faca na jugular. Devolver meu sangue ao mundo enquanto o vento passa pela praça. E vou inventando crendices para tentar esquecer a mão vazia. Para enganar o medo que tenho do Sol. Para esquecer que o tempo destrói tudo. E que não veremos mais nada. Só restará uma canto triste murmurado enquanto faço uma ação cotidiana qualquer. Como sonhar...
3
Depois de tantas confusões, para buscar a compreensão, encontrarei um lugar. Entre ratos, esgotos abertos, haverá gritos de violência, palavras feias e onomatopeias de ódio, gemidos, sangue, muito cachaça, eu andaria como no meio de uma praia branca. Absolvendo todos e depois pedirei ajuda para entrar no mar. Eles me olhariam de canto de olho, com resto de comida encontrado no lixo nos seus dentes, unhas sujas, corpo sexualmente ativo e reprimido, com sua pele podre pronta pra ser fritada, iriam rir e me pedir dinheiro. Me disponibilizariam seus órgãos sexuais se eu quisesse. Não gastaria nada. Me sujeitaria beijar aquelas bocas de dentes podres? Brincar de gonorréia? Virar um deles? Os culpados da sociedade. Os invisíveis fedidos. A prova viva do fracasso. Do nosso fracasso. Do meu. Somos todos patéticos. Eu sou patético o suficiente para pedir que tenham dó. Tenham dó! Sejamos Deuses e Diabos! O resto é linguiça. E meus irmãos daqui, comem linguiça crua mesmo! Outros enfiam no cu!
4
De repente tudo se desfaz. Me torno louco em dois segundos. Não me importo com mais nada. Nem do vento e nem da chama. Se quiser de planos. E mesmo assim, entre o drama criado, sem eu ter feito nada, no meio do meu nada, que nada é, alguém me pede para falar qual é o caminho. Não sei. Molhado, até os ossos, de tristeza eu saio. Velejo um pouco mais. Quais são as águas?
Sem nenhuma âncora de segurança velejo em primaveras mortas. Velejo em águas paradas onde me reconheço nos corpos que apodrecem na superfície. É nítido que a festa acabou. Miro a Lua que tanto desejo. Penso: "É tudo inútil". Grande atriz chora toda a noite antes dormir. Acorda soluçando de pavor. Veleja aos poucos nos cabelos negros da morte. Esse medo de se sentir afastado. A espera de um encontro. Ou daquele velho retorno, a primeira lembrança. O que quer dizer? Viajo sem porto inventando tristeza pra saber como que é o contrário. Ela, com seus oitenta anos de bons dias e boas noites, percebe os seus morrendo a cada estação. Nem ela tem âncora.
2
Estudei meu papel no reino da imaginação. Assediado pela curiosidade tentei entrar em inúmeras vidas. Sim. Fui tentando chegar o mais perto do para sempre.Do Encontro. Usei a ação como veículo, como minha âncora. E mesmo assim sigo com os pés na sujeira. Esfregando a cara na merda enquanto meu corpo se acorda. E aguardo, depois de tudo, no meio de um cigarro a outro, poder dizer Adeus antes de enfiar uma faca na jugular. Devolver meu sangue ao mundo enquanto o vento passa pela praça. E vou inventando crendices para tentar esquecer a mão vazia. Para enganar o medo que tenho do Sol. Para esquecer que o tempo destrói tudo. E que não veremos mais nada. Só restará uma canto triste murmurado enquanto faço uma ação cotidiana qualquer. Como sonhar...
3
Depois de tantas confusões, para buscar a compreensão, encontrarei um lugar. Entre ratos, esgotos abertos, haverá gritos de violência, palavras feias e onomatopeias de ódio, gemidos, sangue, muito cachaça, eu andaria como no meio de uma praia branca. Absolvendo todos e depois pedirei ajuda para entrar no mar. Eles me olhariam de canto de olho, com resto de comida encontrado no lixo nos seus dentes, unhas sujas, corpo sexualmente ativo e reprimido, com sua pele podre pronta pra ser fritada, iriam rir e me pedir dinheiro. Me disponibilizariam seus órgãos sexuais se eu quisesse. Não gastaria nada. Me sujeitaria beijar aquelas bocas de dentes podres? Brincar de gonorréia? Virar um deles? Os culpados da sociedade. Os invisíveis fedidos. A prova viva do fracasso. Do nosso fracasso. Do meu. Somos todos patéticos. Eu sou patético o suficiente para pedir que tenham dó. Tenham dó! Sejamos Deuses e Diabos! O resto é linguiça. E meus irmãos daqui, comem linguiça crua mesmo! Outros enfiam no cu!
4
De repente tudo se desfaz. Me torno louco em dois segundos. Não me importo com mais nada. Nem do vento e nem da chama. Se quiser de planos. E mesmo assim, entre o drama criado, sem eu ter feito nada, no meio do meu nada, que nada é, alguém me pede para falar qual é o caminho. Não sei. Molhado, até os ossos, de tristeza eu saio. Velejo um pouco mais. Quais são as águas?
domingo, 12 de maio de 2013
Terra mansa do Cafundó!
Sobraram muitos lugares no trem. O velho trem da alegria que
partia para Cafundó, metrópole cafona. Mas os poucos que foram estavam a elegancé (acho que é assim que se
escreve “nos trinques” em francês). Camisas repletas de frutas, casacos
coloridos, sapatos em 3D, animais silvestres e alguns políticos-de-nome como bichos
de estimação, quase nenhum levava malas. E a grande maioria era maior de idade.
Acima de 70 anos, eu diria. Mas não vou falar isso.
A partida do trem era marcada por um som de trompete. Um
velho senhor de cabelos ruivos e bigode negro, com a camisa repleta de palmeiras,
chamava-se Jodel. Ele que tocava a “Flauta mágica da Rússia”, assim ele chamava
o trompete. Ou simplesmente de “Jane”. Ele tocou “A rã”. Era isso que chamava
todas as excentricidades para pegar o trem, para Cafundó.
Quando os poucos entravam no trem se estranhavam com os
gritos de “Água!” que o moço do bilhete exclamava. Assim todos assumiam o papel
da leveza. E também percebiam que estavam parados, ou que iriam parar. A
palavra para seguir o trem era “Ahiê!”, referência a estação de Cafundó. Lugar
repleto de mar. De luar inconfundível. Espaço musical possível de se tocar o
céu com os pés no chão. Terra de Mamãe, próximo do trabalho de papel, com
cheiro de maracujá. Praias brancas, areia-veludo, água-mar-requeijosa,
calor-aquoso, nuvem-invísivel, sombra-voluptuosa, bares-sem-vergonhas, e outras
coisas inrefletidas e inventadas. Mas parada necessária antes de Cafundó.
O grande fundador de Cafundó é Emoriô. Negro alto, que
andava com um piano nos braços, de Chuí a Amapá, antes mesmo de existir
Portugal. Viveu mais que muitos anos. Conheceu Xangô! Batizou Macunaíma! Dançou
com Botafogo! E sambou com Vinícius! Homem arretado, de fala mansa, de passos
firmes de tango, com o maior sorriso do mundo. Dizem até que conhecia o amor!
Que tinha o calor do Sol no paladar!!! Nossa, isso tudo foi demais! Todos devem
ir para “Ahiê!” Terra de mar! Mar cerca da Lua! Lua namorada de homem vivo.
Saudade de amor à pino para quem quiser lembrar a base da água ardente! Que
lugarzinho bom de inventar!!!
O trem deve sair daqui a pouco. Logo mais o cheiro de
maracujá tomará conta do trem. Atravessando o Mar Grande, o mar de prata, a
mata verde, o Tietê, Espírito Santo, o Maracatu-pós-atômico, o mato grosso, a
gafieira verde e rosa, a cama inteira do Sr. Maranhão, e o que mais você
quiser... Além de qualquer saudade o trem vai partir.
Mas parece que alguém sem passagem no trem quer entrar!
Quem será?
domingo, 21 de abril de 2013
Agora mais perto
Como um tolo entre tantos
Vi as estrelas hoje
Mirei o Cruzeiro do Sul
E pensei sobre o caminho para casa
Fiz uma oração de amor a você
Baixinho
Entre mesas, carros desgovernados
Homens de rua e aquela velha atmosfera de medo
Baixinho
Cantava uma canção a você
Uma explosão no poste da esquina
Em meio ao silêncio da casa
Casa de inúmeras línguas e solidões
Existe muitas pessoas tristes por esse mundo
Perdidas em problemas mesquinhos
Pequenos como qualquer coisa que se perde de vista
Carentes de atenção, de sorrisos
Pedindo que sejam ouvidas
Que as deem um mínimo de importância
Triste, pequena
No mais remoto dos lugares
Ou o mais perdido
Desconhecido até mesmo de memória
Me sinto como um rei
Possuidor de um amor enorme
De uma saudade com nome
O seu
Agora a madrugada é mansa
Assassinos devem estar dormindo
Viúvas, após seu chá noturno, sonham com seus amores
As câmeras de segurança funcionam na praça central
A avenida segue em ritmo de morte
Outros tentam dormir
Eu escrevo sem saber escrever
Tento falar aquilo que tanto fracasso
Mas sinto aquilo que todos queriam sentir
Me sinto um rei perdido em outras terras
Com a cabeça no mundo dos sonhos
E o mundo de meus sonhos
São os teus braços
E faço outra pequena oração
Para que seja logo
Muito rápido
Que eu te encontre
Para morrer em paz
Para morrer de amor
Nos teus braços
Que tanta alegria me traz
Vi as estrelas hoje
Mirei o Cruzeiro do Sul
E pensei sobre o caminho para casa
Fiz uma oração de amor a você
Baixinho
Entre mesas, carros desgovernados
Homens de rua e aquela velha atmosfera de medo
Baixinho
Cantava uma canção a você
Uma explosão no poste da esquina
Em meio ao silêncio da casa
Casa de inúmeras línguas e solidões
Existe muitas pessoas tristes por esse mundo
Perdidas em problemas mesquinhos
Pequenos como qualquer coisa que se perde de vista
Carentes de atenção, de sorrisos
Pedindo que sejam ouvidas
Que as deem um mínimo de importância
Triste, pequena
No mais remoto dos lugares
Ou o mais perdido
Desconhecido até mesmo de memória
Me sinto como um rei
Possuidor de um amor enorme
De uma saudade com nome
O seu
Agora a madrugada é mansa
Assassinos devem estar dormindo
Viúvas, após seu chá noturno, sonham com seus amores
As câmeras de segurança funcionam na praça central
A avenida segue em ritmo de morte
Outros tentam dormir
Eu escrevo sem saber escrever
Tento falar aquilo que tanto fracasso
Mas sinto aquilo que todos queriam sentir
Me sinto um rei perdido em outras terras
Com a cabeça no mundo dos sonhos
E o mundo de meus sonhos
São os teus braços
E faço outra pequena oração
Para que seja logo
Muito rápido
Que eu te encontre
Para morrer em paz
Para morrer de amor
Nos teus braços
Que tanta alegria me traz
sábado, 13 de abril de 2013
Tempo-choro 4
Velho carro de força rondando a madrugada. Há corpos suados cheirando cocaína em banheiros. Somos todos combatentes. Velhos meninos brincam. Quem possui todos os dentes é o covarde do bando. Calejar os dedos da mão e a garganta. Platina nas narinas. Sofredores de bandeira a meio mastro. Olhos vermelhos chega como sendo um soprano-rápido. Canta pornografia, canta sêmen coagulado. Pêlos nas mãos e na axila feminina. Aqui cada um tem um preço. Mas ninguém anda com dinheiro, eles sabem que é preciso manter a dignidade mínima. Ciúme de braço carnudo entre aqueles dois na beira da mesa três. Depois da policia, o maior inimigo é a abstinência.
E a vida escorrega na brecha da mão. Desenho com cuspe na calçada. Dez reais por meia hora de trabalho. 8 segundos apenas no cavalo-craque de hipertensão é luxo para poucos. Equivale a viagem a Lua, deitado sobre o lixo. Restos de camisinhas perto da árvore do parque. Um crivo emprestado é sinônimo de amizade.
Descobrimos a benção dos sem nomes. Do futuro furado. Do presente barato e etílico. O ar de corrupção é nicotina para todos. Gozo primário de um gesto psicológico. Todos longes do domínio de si. Mas aqui é outro país. Não temos mais papel algum. Os cães da amargura uivam por uma carreira a mais. Como a primeira vez, retornar a esse contanto com o divino. Enquanto isso, as mãos de queimadura nas mãos aumentam. A boca vermelha de brasa curta. Todos aprumadinhos para o Paraíso Terrestre. Será mentira?
Mas longe é o Céu. E as nuvens passam sem sabermos para onde elas vão. Todos comendo e cagando enraizados na mesma terra. Irmãos primitivos de reprodução sexuada. Desprovidos de natureza. Não é o coração que dança, é o estado de falência geral. Mesmo movimento que faz as baratas andarem sobre o armário próximo. Logo o Sol da melancolia vai nascer. Todos desejam que o amanhecer se torne um eterno anoitecer. Seguros com seus medos. Longe do Céu. Como vermes celebram a grande vitória da vida, atentos para não perderem o seu copo-porto-seguro.
E eles amam o bar na rua, como um solitário um puteiro. Amam, como os melhores dos românticos, tudo o que cheira a vômito, cada ato de violência dançado como um ballet.
Mas eles sonham como os limpos. Sentem medo além do que duvidam. E dormem como crianças. Sem consciência sonham e acordam sem memória. Tristes acordam, outros os veem como se estivessem sempre dormindo, com o choro preso. A garganta queimada, dentes amarelos com camada de fumo, rosto inchado, fígado afogado, rim esburacado, ânus sangrando...
As facas se mantém afiadas. Os espelhos sujos. Irmãos órfãos de uma noite reprimida. A triste dança da arte do desencontro espera outra noite começar.
E a vida escorrega na brecha da mão. Desenho com cuspe na calçada. Dez reais por meia hora de trabalho. 8 segundos apenas no cavalo-craque de hipertensão é luxo para poucos. Equivale a viagem a Lua, deitado sobre o lixo. Restos de camisinhas perto da árvore do parque. Um crivo emprestado é sinônimo de amizade.
Descobrimos a benção dos sem nomes. Do futuro furado. Do presente barato e etílico. O ar de corrupção é nicotina para todos. Gozo primário de um gesto psicológico. Todos longes do domínio de si. Mas aqui é outro país. Não temos mais papel algum. Os cães da amargura uivam por uma carreira a mais. Como a primeira vez, retornar a esse contanto com o divino. Enquanto isso, as mãos de queimadura nas mãos aumentam. A boca vermelha de brasa curta. Todos aprumadinhos para o Paraíso Terrestre. Será mentira?
Mas longe é o Céu. E as nuvens passam sem sabermos para onde elas vão. Todos comendo e cagando enraizados na mesma terra. Irmãos primitivos de reprodução sexuada. Desprovidos de natureza. Não é o coração que dança, é o estado de falência geral. Mesmo movimento que faz as baratas andarem sobre o armário próximo. Logo o Sol da melancolia vai nascer. Todos desejam que o amanhecer se torne um eterno anoitecer. Seguros com seus medos. Longe do Céu. Como vermes celebram a grande vitória da vida, atentos para não perderem o seu copo-porto-seguro.
E eles amam o bar na rua, como um solitário um puteiro. Amam, como os melhores dos românticos, tudo o que cheira a vômito, cada ato de violência dançado como um ballet.
Mas eles sonham como os limpos. Sentem medo além do que duvidam. E dormem como crianças. Sem consciência sonham e acordam sem memória. Tristes acordam, outros os veem como se estivessem sempre dormindo, com o choro preso. A garganta queimada, dentes amarelos com camada de fumo, rosto inchado, fígado afogado, rim esburacado, ânus sangrando...
As facas se mantém afiadas. Os espelhos sujos. Irmãos órfãos de uma noite reprimida. A triste dança da arte do desencontro espera outra noite começar.
Longe - 2
é tarde
sempre é tarde
mas agora chove
como te contar isso?
é triste
quase sempre é triste
e tudo chora
quando por léguas viajo
num sonho que me faz dormir
com olhos de vidros
o amor me surpreende
tudo vira fumaça
subitamente
em minha frente
uma face branca
misteriosa e forte
mas surpreendente é a vida
que mantém sempre
uma mão fria
mas isso é comédia
para nós
que trovamos com as estrelas
apaixonados e aprendizes
de corações dourados
rodando numa eterna ciranda
mas agora é tarde
estou cansado
envelheço
retorno as lembranças
ser-memória
jogado em uma esquina
de cara ao vício
encontrando um outro
capaz de nada
entregue ao tudo
um beijo de mulher
fez todas as noites serem silenciosas
como num voo
mergulho na pele branca em que habito
que de tão longe
perto
compreendo
não podemos
nem com todas as letras do alfabeto
só numa língua pessoal
explicar a saudade
sempre é tarde
mas agora chove
como te contar isso?
é triste
quase sempre é triste
e tudo chora
quando por léguas viajo
num sonho que me faz dormir
com olhos de vidros
o amor me surpreende
tudo vira fumaça
subitamente
em minha frente
uma face branca
misteriosa e forte
mas surpreendente é a vida
que mantém sempre
uma mão fria
mas isso é comédia
para nós
que trovamos com as estrelas
apaixonados e aprendizes
de corações dourados
rodando numa eterna ciranda
mas agora é tarde
estou cansado
envelheço
retorno as lembranças
ser-memória
jogado em uma esquina
de cara ao vício
encontrando um outro
capaz de nada
entregue ao tudo
um beijo de mulher
fez todas as noites serem silenciosas
como num voo
mergulho na pele branca em que habito
que de tão longe
perto
compreendo
não podemos
nem com todas as letras do alfabeto
só numa língua pessoal
explicar a saudade
segunda-feira, 8 de abril de 2013
Três homens
Três homens andavam numa estrada. Eles se consideravam os heróis da estrada. Não sei precisar o tempo, mas eles caminhavam a pé, apesar do medo. Caminhavam de cidade em cidade. Eles não sabiam de onde tinham vindo. "Faz tempo. Se ainda posso falar assim." Dizia um deles, se alguém lhes perguntava sobre suas origens. Um se recordava de que moravam num lugar repleto de água. Isso fazia com que um falasse sobre um cais. Outro cantava uma canção depois da fala do segundo:
Invento o mar
Saveiro amigo
Ele que sabe mais
Pois me lanço
Acima do céu
Eu quero mais
A canção sempre causava um espanto nas pessoas. Os homens não tinham cara de poderiam cantar. Aliás, seus rostos eram repletos de rugas, rosto muito branco e os olhos que nunca piscavam. Piscavam sim, mas com um ritmo menor. "Canções voam pelo ar!" Dizia sempre o primeiro homem depois de ouvir o companheiro cantar. Isso fazia com que eles voltassem ao seu caminho.
Eles ficaram conhecidos como os Homens da Cabeça de Sol. Se espalhou essa forma de chama-los porque alguém falou que eles pegavam Sol de mais. Isso é ridículo. Porém, eles queriam sair de cada cidade sempre por um princípio: "Ir aonde a vida é."
Alguns falam que eles ainda caminham por aí. Outros dizem que eles morreram. Assassinados. As histórias variam de região. Mas tem uma eu gosto. Uma que disse que eles um dia fecharam os olhos. Começaram a andar sem ver nada e isso fez com que eles aguçassem os outros sentidos. Ventania para eles acabou sendo dança. Chuva era canção. E quando fazia-se silêncio eles escutavam o som do corpo. E ouve um dia em que fez muito silêncio. E assim ficou para sempre.
A história diz que nunca acharam o corpo dos homens. Uns não acreditam, pois sempre alguém, no silêncio da noite, escutava aquela canção. E nesse momento alguém lembrava: "Canções voam pelo ar!"
Invento o mar
Saveiro amigo
Ele que sabe mais
Pois me lanço
Acima do céu
Eu quero mais
A canção sempre causava um espanto nas pessoas. Os homens não tinham cara de poderiam cantar. Aliás, seus rostos eram repletos de rugas, rosto muito branco e os olhos que nunca piscavam. Piscavam sim, mas com um ritmo menor. "Canções voam pelo ar!" Dizia sempre o primeiro homem depois de ouvir o companheiro cantar. Isso fazia com que eles voltassem ao seu caminho.
Eles ficaram conhecidos como os Homens da Cabeça de Sol. Se espalhou essa forma de chama-los porque alguém falou que eles pegavam Sol de mais. Isso é ridículo. Porém, eles queriam sair de cada cidade sempre por um princípio: "Ir aonde a vida é."
Alguns falam que eles ainda caminham por aí. Outros dizem que eles morreram. Assassinados. As histórias variam de região. Mas tem uma eu gosto. Uma que disse que eles um dia fecharam os olhos. Começaram a andar sem ver nada e isso fez com que eles aguçassem os outros sentidos. Ventania para eles acabou sendo dança. Chuva era canção. E quando fazia-se silêncio eles escutavam o som do corpo. E ouve um dia em que fez muito silêncio. E assim ficou para sempre.
A história diz que nunca acharam o corpo dos homens. Uns não acreditam, pois sempre alguém, no silêncio da noite, escutava aquela canção. E nesse momento alguém lembrava: "Canções voam pelo ar!"
segunda-feira, 1 de abril de 2013
Longe
Muito longe, sendo solidão,
me lembro daquela menina.
Não à penso nua, somente isso não,
mas coberta de flores,
dentro de uma estrela, sorrindo.
Muito longe, escrevo sendo madrugada,
queria levá-la, comigo só,
mas para o lugar onde era mais sonha.
Fazer promessas, repetir choros
e destruir a Lua algumas três vezes seguidas.
Muito longe, penso que morrerei,
quando estiver em seus braços.
E somente assim vivo.
Muito longe, aqui,
o mundo se torna um cenário.
Sou um estrangeiro da vida,
poucos a conhecem,
a longa vida,
repleta de saudade.
Muito longe, vivo assim,
estou assim,
dando adeus a todos,
me desfazendo,
sonhando como um tolo,
ouro falso, luz negra.
Muito longe, assim eu gosto,
ser saudade de você.
Te amar além,
maior que tudo.
Muito longe pergunto:
E, minha Linda,
como estás?
me lembro daquela menina.
Não à penso nua, somente isso não,
mas coberta de flores,
dentro de uma estrela, sorrindo.
Muito longe, escrevo sendo madrugada,
queria levá-la, comigo só,
mas para o lugar onde era mais sonha.
Fazer promessas, repetir choros
e destruir a Lua algumas três vezes seguidas.
Muito longe, penso que morrerei,
quando estiver em seus braços.
E somente assim vivo.
Muito longe, aqui,
o mundo se torna um cenário.
Sou um estrangeiro da vida,
poucos a conhecem,
a longa vida,
repleta de saudade.
Muito longe, vivo assim,
estou assim,
dando adeus a todos,
me desfazendo,
sonhando como um tolo,
ouro falso, luz negra.
Muito longe, assim eu gosto,
ser saudade de você.
Te amar além,
maior que tudo.
Muito longe pergunto:
E, minha Linda,
como estás?
terça-feira, 19 de março de 2013
Anjos
Traços de luz aparecem!
Anjos lutam para decidir:
sou eu ou eles que lutará com a morte?
"É necessário seguir.
Ser tudo aquilo que não és."
Viver na dor e cercado de miséria.
Queimando vivo em pleno deserto.
Luz, aqui, é de Sol onipresente!
O verdadeiro Deus é fogo longínquo,
que não podemos encarar.
Homens de olhos tortos
fogem de Horizonte.
São pinceladas rápidas,
cobre e pouca luz.
Apenas no reflexo do espelho,
onde qualquer um fica nu,
o rosto é luz.
Os anjos, que aqui são laranjas-marrons,
lutam para decidir.
Descobrindo os pequenos pontos,
a diferença de planos na tela,
a silhueta do cor nu,
a pose paga,
o erotismo do olhar de raiva.
1
Sempre buscarei a primavera naquela curva.
Que embaixo das nuvens,
onde todo canto é triste,
suicidam-se homens perdidos de amor.
2
Sempre tentarei retornar a esse clarão primeiro.
Desse impressionismo sobre nada.
3
Nunca serei. Nunca serei em Lugar Nenhum.
Sempre buscarei o Estar.
Desse pós-des-fragmento.
Sobrará os nossos excrementos.
4
Fazer o trajeto o refazendo e destruindo.
Afasia. Disritmia. Madrugada.
Como forma de dizer A-deus.
Os anjos se beijam.
Mijam como higienização:
"Limpa a uretra!"
É inventando que me torno algo
que refaz os anjos.
É pela morte!
Anjos lutam para decidir:
sou eu ou eles que lutará com a morte?
"É necessário seguir.
Ser tudo aquilo que não és."
Viver na dor e cercado de miséria.
Queimando vivo em pleno deserto.
Luz, aqui, é de Sol onipresente!
O verdadeiro Deus é fogo longínquo,
que não podemos encarar.
Homens de olhos tortos
fogem de Horizonte.
São pinceladas rápidas,
cobre e pouca luz.
Apenas no reflexo do espelho,
onde qualquer um fica nu,
o rosto é luz.
Os anjos, que aqui são laranjas-marrons,
lutam para decidir.
Descobrindo os pequenos pontos,
a diferença de planos na tela,
a silhueta do cor nu,
a pose paga,
o erotismo do olhar de raiva.
1
Sempre buscarei a primavera naquela curva.
Que embaixo das nuvens,
onde todo canto é triste,
suicidam-se homens perdidos de amor.
2
Sempre tentarei retornar a esse clarão primeiro.
Desse impressionismo sobre nada.
3
Nunca serei. Nunca serei em Lugar Nenhum.
Sempre buscarei o Estar.
Desse pós-des-fragmento.
Sobrará os nossos excrementos.
4
Fazer o trajeto o refazendo e destruindo.
Afasia. Disritmia. Madrugada.
Como forma de dizer A-deus.
Os anjos se beijam.
Mijam como higienização:
"Limpa a uretra!"
É inventando que me torno algo
que refaz os anjos.
É pela morte!
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013
Tempo-choro 2
Agora devo dormir.
Deve-se lembrar que é noite.
Um cachorro preto ronda minha
cama-navio. Navegando por entre réplicas ouço um poeta falar:
- Cuidado Poetinha, é noite de
temporal! Hoje não tem pesca. É noite.
Devo pensar em que? Em nada.
Chamarei o vento de qualquer maneira. Assoviarei baixinho. Será uma bela
despedida. As despedidas são sempre fortes e inesquecíveis. Meu sono é
colorido. Trabalhoso. Ainda não
descansei. Espero morte de gozo eterno. Sairei pelo mar de réplicas,
atravessarei solilóquios, sobre um mar imenso. Milhões de personas-afogadas.
Algumas eu irei acordar.
- Têm gente, Poetinha, que sai e
volta com as mãos vazias. Morre na beira da praia. Na areia branca, com o corpo
cansado.
Mas eu morrerei no verde do mar.
Nas ondas verdes do mar.
Sonho em ser um afogado. Tornarei-me
Poeta deixando de ser.
- Eu ficarei aqui. O mar é bonito
de se ver. Vou te ver lá.
Ficarás me olhando. Eu irei me
afogar e você não conseguirá fazer nada. Ficarás parado.
Dirás baixinho, olhando para as
ondas, para o bem longe, tentando me achar em tanto mar, dirás baixinho:
- Morreu. Morreu.
terça-feira, 19 de fevereiro de 2013
Quem é ela
Quem é ela
Devo imaginar como ela se apresentará nua
Cheia de uma ternura sem fim,
aquela pele que reuni todos os mistérios dos céus como é
Quem é ela
De que modo ela tentará ficar
ou que planejará fugir de mim, logo após a morte da primeira luz
Será que ela trocará silêncios longos comigo, tão tristes como eu
Quem é ela
Será seu andar a primeira página desse novo romance
Quanto medo de amar ela contém
E se logo após o sim outra mulher aparecer
Quem é ela
Com qual sinceridade ela fala
Eu realmente a quero
Sou eu, ou é o perfume do amor
Quem é ela
Porque ela duvidou de meu coração amador
Porque ela passa por aqui
e insiste em me fazer sonhar
Quem é ela
Será que eu não irei esquecer
Irei imaginar as nossas vidas juntas até quando
Quem é ela
que insiste em não me olhar
pela quarta vez seguida
Devo imaginar como ela se apresentará nua
Cheia de uma ternura sem fim,
aquela pele que reuni todos os mistérios dos céus como é
Quem é ela
De que modo ela tentará ficar
ou que planejará fugir de mim, logo após a morte da primeira luz
Será que ela trocará silêncios longos comigo, tão tristes como eu
Quem é ela
Será seu andar a primeira página desse novo romance
Quanto medo de amar ela contém
E se logo após o sim outra mulher aparecer
Quem é ela
Com qual sinceridade ela fala
Eu realmente a quero
Sou eu, ou é o perfume do amor
Quem é ela
Porque ela duvidou de meu coração amador
Porque ela passa por aqui
e insiste em me fazer sonhar
Quem é ela
Será que eu não irei esquecer
Irei imaginar as nossas vidas juntas até quando
Quem é ela
que insiste em não me olhar
pela quarta vez seguida
segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013
Professor Ricardo - Parte 05
Minha irmã nunca foi objetiva o suficiente, nem fez menção de refletir sobre nada de sua vida. Isso é curioso. O envolvimento dela com essa mulher, Lúcia ou Isadora, é um ataque histérico de depressão. Sempre disse para ela não se dirigir as pessoas. É sempre complicado entrar em contato com esses infernos. A questão era: minha irmã nunca conseguiu se ressignificar. Os outros são um perigo em potencial quando nem a superfície de sua própria pele foi reconhecida. Ela tentou se matar porque é fraca. Está ainda pensando em qual é a sua essência! Ela me perguntou, na última e fatídica vez que nos vimos, qual era o sentido da vida. Ela ousou em me falar, num tom de desesperança, que não sabia quem era! Isso era como uma furadeira entrando nos meus ouvidos. Essa dor é estranha pois começa pela nuca e como um aro de ferro dentro da cabeça vai crescendo até a região ocular. Me sinto incomodado com uma mulher, ou seria adolescente, pensando dessa forma. Não há sentido algum, eu disse para ela naquela ocasião. E falei isso mais para agradar ela. Diria o que? Para pensar em Deus? Nunca fui de fazer piada com tragédia. Embora essa dicotomia me cause asco.
- Ela disse que viria hoje me visitar.
- Você foi internada agora pouco. Como ela sabe? Ela foi comunicada?
- Claro que sim! Dei o nome dela e o seu na portaria.
- Recepção.
- Como?
Como é patético. Insensato também. Talvez. Embora sempre achei fascinante o modo como as pessoas mentalmente desequilibradas enxergam o mundo. Não faz nem meio dia que ela tentou se matar. Um ato fracasso e depois outro por não conseguir executar o ato-fracasso. E não faz ideia de que está num hospital! Ela chamou a recepção de portaria! Mas isso é mentira, ela não seria capaz de falar isso. Estava representado novamente. As pessoas fazem isso a todo o momento. E ela nunca fala com estranhos, ainda mais pessoas que se vestem de branco.
- Você está hospitalizada.
- Porque?
Tédio.
- Passei no concurso e serei professor efetivo da Universidade.
- Que lindo! Parabéns! Me dê um abraço!
No que ela levantou os braços pude perceber como a dor se manifestou em seu corpo. Num milésimo de segundo observei o seu peito inflar e com isso lançar uma onda que andou durante todo o seu corpo. Os pés levantaram lentamente. Era uma fotografia linda. Gosto de paralisar o tempo as vezes. Os braços pararam a quarenta em cinco graus de seu corpo, ainda manchados de sangue. Estavam voltados a mim. O peito inchado em direção ao teto, totalmente inflado e tenso. Os dedos dos pés contorcidos. As pernas levemente erguidas. O rosto petrificado como que em uma eterna expressão de súplica. Me apaixonei pela minha irmã neste exato momento. Finalmente ela estava íntegra. Ela estava ali, naquele instante, sem representar coisa alguma. Sem seus pensamentos podres. Totalmente tensionada, mas leve. Isso durou um segundo. Se desfez num gozo de dor. Seu grito deve ter sido escutado em todo o hospital. Finalmente ela teve um gostinho da morte. E eu presenciei. Me apaixonei pela sua postura, pelo seu estado. Ela deixou de ser qualquer coisa para estar ali. Nossa! Como eu gostaria de ter tirado uma foto. Lembrarei disso sempre que eu quiser. Poderei ficar preso. Poderei me perder no deserto. Qualquer possibilidade remota de exílio total de minha pessoa, sempre retornarei a esse momento. Me esqueci pela primeira vez no dia de minha torta na mesa da cafeteria, ou doceria? Me esqueci de meu concurso. Do ventilador que não concertei. De mamãe. Minha irmã saiu de sua estupidez trágica para estar presente. Logo após ela começou a chorar. Não parava. Era a dor. Era a consciência de seu ato anterior que aparecia. O que veria agora? Ressentimento?
A janela estava aberta neste momento. Uma faixo de luz cortava o ar em direção a uma flor que havia na cabeceira dela. Não havia notado aquela flor até este momento. Então alguma coisa cruzou meus pensamentos. Saí da sala em busca de uma enfermeira, porém era um momento propício para o primeiro cigarro do dia. Me lembrei imediatamente do homem que foi preso por não chorar a morte da mãe. Entrei no quarto como irmão e sai como condenado.
- Ela disse que viria hoje me visitar.
- Você foi internada agora pouco. Como ela sabe? Ela foi comunicada?
- Claro que sim! Dei o nome dela e o seu na portaria.
- Recepção.
- Como?
Como é patético. Insensato também. Talvez. Embora sempre achei fascinante o modo como as pessoas mentalmente desequilibradas enxergam o mundo. Não faz nem meio dia que ela tentou se matar. Um ato fracasso e depois outro por não conseguir executar o ato-fracasso. E não faz ideia de que está num hospital! Ela chamou a recepção de portaria! Mas isso é mentira, ela não seria capaz de falar isso. Estava representado novamente. As pessoas fazem isso a todo o momento. E ela nunca fala com estranhos, ainda mais pessoas que se vestem de branco.
- Você está hospitalizada.
- Porque?
Tédio.
- Passei no concurso e serei professor efetivo da Universidade.
- Que lindo! Parabéns! Me dê um abraço!
No que ela levantou os braços pude perceber como a dor se manifestou em seu corpo. Num milésimo de segundo observei o seu peito inflar e com isso lançar uma onda que andou durante todo o seu corpo. Os pés levantaram lentamente. Era uma fotografia linda. Gosto de paralisar o tempo as vezes. Os braços pararam a quarenta em cinco graus de seu corpo, ainda manchados de sangue. Estavam voltados a mim. O peito inchado em direção ao teto, totalmente inflado e tenso. Os dedos dos pés contorcidos. As pernas levemente erguidas. O rosto petrificado como que em uma eterna expressão de súplica. Me apaixonei pela minha irmã neste exato momento. Finalmente ela estava íntegra. Ela estava ali, naquele instante, sem representar coisa alguma. Sem seus pensamentos podres. Totalmente tensionada, mas leve. Isso durou um segundo. Se desfez num gozo de dor. Seu grito deve ter sido escutado em todo o hospital. Finalmente ela teve um gostinho da morte. E eu presenciei. Me apaixonei pela sua postura, pelo seu estado. Ela deixou de ser qualquer coisa para estar ali. Nossa! Como eu gostaria de ter tirado uma foto. Lembrarei disso sempre que eu quiser. Poderei ficar preso. Poderei me perder no deserto. Qualquer possibilidade remota de exílio total de minha pessoa, sempre retornarei a esse momento. Me esqueci pela primeira vez no dia de minha torta na mesa da cafeteria, ou doceria? Me esqueci de meu concurso. Do ventilador que não concertei. De mamãe. Minha irmã saiu de sua estupidez trágica para estar presente. Logo após ela começou a chorar. Não parava. Era a dor. Era a consciência de seu ato anterior que aparecia. O que veria agora? Ressentimento?
A janela estava aberta neste momento. Uma faixo de luz cortava o ar em direção a uma flor que havia na cabeceira dela. Não havia notado aquela flor até este momento. Então alguma coisa cruzou meus pensamentos. Saí da sala em busca de uma enfermeira, porém era um momento propício para o primeiro cigarro do dia. Me lembrei imediatamente do homem que foi preso por não chorar a morte da mãe. Entrei no quarto como irmão e sai como condenado.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013
Ensaio para um Fiasco - 03
O tempo nunca volta. E isso resume grande parte da vida. Um barco navegava pelo mar. O mar o velejava. O vento o velejava. Eu buscava alguém para velejar. Mas o tempo nunca volta. A violência de uma decisão é assustadora. No mais simples dos casos, temos duas opções. Às vezes, para não dizer sempre, tomamos a decisão errada. O pior é que a decisão não tomada nos persegue. Ela continua como uma sombra, que nos vigia pronta para dizer: "Olhe aqui o que você perdeu!" Mas é discurso furado. Nenhuma das opções seria a melhor. Nenhuma mesma. As duas causam inúmeras ações, efeito dominó. E o pior é que levamos todas elas juntos. O tempo nunca volta. O senhor está sentado na praça. Ele olha para a sua netinha que brinca com as pombas. Num assobio do vento ele faz retornar todas as esquinas que ele dobrou. Os momentos onde o vento e o mar o velejavam. Suas mãos tremem. O coração fraco ainda mantém o ritmo da vida. Ele queria voltar a uma certa manhã em um certo dia da semana numa época longínqua. Retornar a uma velha cidade, pequena e nunca lembrada. Mas ele lembra: "Eu quero brincar com você." Era isso que ele queria dizer. Ele com o rosto virado para árvore. Vê sua amiguinha brilhando como um Sol, correndo em torno da casa para se esconder. Este jogo é eterno, todos sabem. Para ele, olhar a sua netinha é como olhar a Lua, é formular perguntas, é reformular a vida. Sua amiga, Ela, se esconde. E tem um certo momento em que ele não a acha. Ele revira o quintal, as árvores, a pequena cidade, cada canto de sua memória. Nada. Ele sente falta. Ele queria ver ela brincando com ele, d'ele, durante muito mais tempo. Mas há um vácuo estranho. O tempo nunca volta. Uma mania estranha essa do tempo. E Ele não tomou decisão alguma. Agora está velho demais. Leva a maior parte do tempo pensando nela caída no chão como criança, como Sol e Lua. As grandes nostalgias. O delírio do amor e pensando que ela ainda irá surgir. Por mais que tudo se desvie, que nada se encontre, indo contra o ritmo da vida, Ele sabe que justamente naquela época nasceu uma pequena flor em seu peito-jardim. Naquela época seu peito-jardim era enorme. Hoje... Bom, restou os perfumes. Restou as imagens, não só desta flor, mas de tantas outras que vieram depois. O tempo nunca volta. Mas a lembrança sim. E hoje foi o dia desta primeira flor. A única sem nome. Naquele tempo não se dava nome a nada. Mesmo não tendo nome, Ele sonha com seus cabelos negros e, andando nas ruas, Ele relembra do perfume, pra que em meio de tantas escolhas não feitas, de tantas vidas não vividas, Ele possa reencontrar um dia Ela.
segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013
Professor Ricardo - Parte 04
- Ela está bem.
Foi o que respondi para minha irmã. No tom mais automático com o intuito de desviar o assunto. Ela prosseguiu para o meu azar.
- Senti sua falta, mano. Pensei muito naquele nosso tempo lá na... Como era o nome mesmo? Aonde fazíamos a trilha perto do lago em Mato Grosso. Sempre sinto falta daqueles tempos. Sinto falta de andar na rua procurando algum bar para comer e beber alguma coisa. Brincar cerveja em vez de champagne! Adorava quando a gente brindava as coisas mais bizarras possíveis. Sempre alguma fala importante. Você lembra daquela que diz: "Um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar!" Como ríamos. Lembra?
Claro que não lembrava. Eu era um estudante de história do Brasil enlouquecido. Decorava falas para tirar sarro de toda essa nata suja brasileira e mundial. Eu era simplório e patético. Continuo, mas agora era professor efetivo de uma universidade. Ganharia dinheiro para poder patético. Gozaria de todo o poder que sou detento. Poderia agora ter problemas, poderia passar por crises. Me perguntar o porque da vida sem ter que me subordinar a tanta humilhação omo terciário. E mais, poderei analisar as pessoas. Isso é o mais fantástico. Pensando nisso, olho para minha irmã. Nosso pai nunca foi presente. Por causa disso, acredito que minha irmã gostaria de transar com ele. Mas como ele não está mais aqui, ela quer transar comigo. O seu ato de suicídio é um convite de sexo animal. Ela no fundo gostaria de arrancar o meu pênis e me currar com ele. E como ela não compreendi isso, agora eu sou superior a ela. Então me torno um psicólogo perfeito. Como me divirto com essas analogias baratas que não me levam a nada e me fazem brincar com a moral estabelecida.
- Ricardo! Você está me escutando?
- Não. Desculpa.
- Eu estava falando que acho que vou me casar.
- Com quem?
- A Lúcia.
Ela iria abrir seu coração para mim agora. Brigaríamos talvez. Agora começa a chover, para mudar um pouco o cenário. Mesmo se ela estivesse me convidando para transar, o que eu mais gostaria agora era comer aquela torta que não terminei. Saborear o meu ingresso como professor efetivo na universidade. No máximo me masturbar sozinho no meu quarto imaginando alguma fantasia sendo executava. Mas não. Eu com pensamentos presos. Apenas isso. Gostaria de comer alguma coisa.
Foi o que respondi para minha irmã. No tom mais automático com o intuito de desviar o assunto. Ela prosseguiu para o meu azar.
- Senti sua falta, mano. Pensei muito naquele nosso tempo lá na... Como era o nome mesmo? Aonde fazíamos a trilha perto do lago em Mato Grosso. Sempre sinto falta daqueles tempos. Sinto falta de andar na rua procurando algum bar para comer e beber alguma coisa. Brincar cerveja em vez de champagne! Adorava quando a gente brindava as coisas mais bizarras possíveis. Sempre alguma fala importante. Você lembra daquela que diz: "Um povo que não sabe nem escovar os dentes não está preparado para votar!" Como ríamos. Lembra?
Claro que não lembrava. Eu era um estudante de história do Brasil enlouquecido. Decorava falas para tirar sarro de toda essa nata suja brasileira e mundial. Eu era simplório e patético. Continuo, mas agora era professor efetivo de uma universidade. Ganharia dinheiro para poder patético. Gozaria de todo o poder que sou detento. Poderia agora ter problemas, poderia passar por crises. Me perguntar o porque da vida sem ter que me subordinar a tanta humilhação omo terciário. E mais, poderei analisar as pessoas. Isso é o mais fantástico. Pensando nisso, olho para minha irmã. Nosso pai nunca foi presente. Por causa disso, acredito que minha irmã gostaria de transar com ele. Mas como ele não está mais aqui, ela quer transar comigo. O seu ato de suicídio é um convite de sexo animal. Ela no fundo gostaria de arrancar o meu pênis e me currar com ele. E como ela não compreendi isso, agora eu sou superior a ela. Então me torno um psicólogo perfeito. Como me divirto com essas analogias baratas que não me levam a nada e me fazem brincar com a moral estabelecida.
- Ricardo! Você está me escutando?
- Não. Desculpa.
- Eu estava falando que acho que vou me casar.
- Com quem?
- A Lúcia.
Ela iria abrir seu coração para mim agora. Brigaríamos talvez. Agora começa a chover, para mudar um pouco o cenário. Mesmo se ela estivesse me convidando para transar, o que eu mais gostaria agora era comer aquela torta que não terminei. Saborear o meu ingresso como professor efetivo na universidade. No máximo me masturbar sozinho no meu quarto imaginando alguma fantasia sendo executava. Mas não. Eu com pensamentos presos. Apenas isso. Gostaria de comer alguma coisa.
terça-feira, 15 de janeiro de 2013
Tempo-choro
É sempre patético. Todos nós somos patéticos. E assim se sucedeu. O tempo passou em ritmo de choro. Na mesa do café discutíamos. Discutíamos pois havia barulho na volta. Não nos escutávamos. Não nos escutamos nunca. Quando isso acontece a gente não está preparado. Levamos susto. Ali: sujeito branco de roupa suja limpa sapato de idoso-quase-morto. A velhice deveria ensinar alguma coisa para os outros. Não acontece nada. É uma imagem sempre patética. O sujeito branco deve estar falando sobre algum movimento perigoso que observou durante a madrugada. "Durmo em minha casa... não durmo na rua, senhor." Algo assim Nada por nada. Ter qualquer compromisso é estar adiantado do fim. Volto ao cento de atenção inicial. O tempo passa em ritmo de choro. Lá fora o céu é azul-tristeza. Ali: um cachorro rasgou um saco de lixo procurando comida. Que sujeira ele faz. Cada qual a sua maneira. O homem ao lado, de saco preto na cabeça, procura algo também no lixo. Ele descarta qualquer comida. Não procura por isso. Veja, ele achou um livro. Folheia. Joga fora de novo. Não há tanto espaço para ideias quando se mora na rua. Assim é se lhes parece. É sempre patético olhar. Me entristece. Volto a mesa. "Não aturo. Essa relação está me matando. Você... sabe quando você sai para a rua e se apaixona por alguém que simplesmente passa? Você sabe que aquela pessoa necessita abrir a boca pra merecer sentença de idiota ou de morte. Mas mesmo assim você à quer? Você entende? Sofrer é o que sinto falta." Ela diz como se fosse um poema-ritmo-inaugural. O tempo passou em ritmo de choro. My funny Valentine toca em algumas léguas da memória. Somos todos obras de arte. Ali: mulher de roupa suja-rasgada anda sem sucesso pela rua. Cambaleia. Sentou no degrau do prédio antigo restaurado pelo governo. Vejo apenas a luz do isqueiro agora. Somos todos obras de arte patéticas. Eu queria voltar ao círculo de atenção inicial, mas o tempo é choro. Transbordo tempo. A garçonete trouxe o café. Está começando a se tornar patético. É sempre patético. Ela percebe isso. Ela é choro também. Agora toca Billie Holiday. Tempo-choro.
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